Segunda-feira, 1 de Dezembro de 2008

Inteligência Espiritual

 

 

 

No início do século XX, o QI era a medida definitiva da inteligência humana. Só em meados da década de 90, a descoberta da Inteligência Emocional mostrou que não bastava o sujeito ser um génio se não soubesse lidar com as emoções. A ciência começa o novo milénio com descobertas que apontam para um terceiro quociente, o da Inteligência Espiritual. Ela nos ajudaria a lidar com questões essenciais e pode ser a chave para uma nova era no mundo dos negócios (Zohar, entrevistada por Naiditch, 2001).

O mundo dos negócios atravessa uma crise de sustentabilidade. As suas atitudes e práticas actuais, centradas apenas em dinheiro, estão a devastar o meio ambiente, a consumir recursos finitos, a criar desigualdade global, a conduzir a uma crise de liderança nas empresas e a destruir a saúde e a moral das pessoas que trabalham ou cujas vidas são afectadas por elas. Nós não sabemos mais o que é realmente a vida. Não sabemos qual é o jogo que jogamos nem quais são as regras. Falta-nos um sentido profundo de objectivos e valores fundamentais. Essa crise de significado é a causa principal do stresse na vida moderna e também das doenças. A busca de sentido é a principal motivação do homem. Quando essa necessidade deixa de ser satisfeita, a vida parece-nos vazia. No mundo moderno, a maioria das pessoas não está a atender a essa necessidade (Zohar, entrevistada por Naiditch, 2001).

Um QEs elevado exige-nos sermos profundamente honestos connosco mesmos, profundamente conscientes de nós mesmos. Exige-nos que encaremos as escolhas e nos apercebamos de que as escolhas certas são difíceis. Um elevado QEs requer que tenhamos consciência e vivamos a partir do centro profundo de nós mesmos que transcende todos os fragmentos em que as nossas vidas se espalharam. Exige que recolhamos todos esses bocados, incluindo aqueles que foi difícil ou doloroso ter. Mas, acima de tudo, um QEs elevado exige que nos mantenhamos abertos à experiência, que recuperemos a nossa capacidade de ver a vida e os outros de uma forma nova, através dos olhos de uma criança. Exige que paremos de procurar refúgio naquilo que conhecemos, e que exploremos e aprendamos constantemente com o que não sabemos. Exige que vivamos a perguntas em vez das respostas (Zohar & Marshall, 2004).

O QEs tem origem no centro profundo do Eu, a parte que está assente em toda a potencialidade infinita do vazio quântico. Entre muitas coisas, usamos o QEs para sermos criativos. Recorremos a ele também quando precisamos de ser flexíveis, visionários ou criativamente espontâneos. Usamos o QEs para lidarmos com problemas existenciais – problemas onde nos sentimos pessoalmente apertados, enredados nos nossos hábitos passados, ou neuroses, ou problemas com doenças e desgostos. O QEs torna-nos conscientes de que temos problemas existenciais, e permite resolvê-los – ou, pelo menos, ficarmos em paz com eles. Dá-nos um sentido "profundo" sobre o sentido que as lutas têm na vida. O QEs permite-nos integrar o intrapessoal e o interpessoal, transcender a distância entre o próprio e o outro. Daniel Goleman escreveu acerca das emoções intrapessoais, ou dentro do Eu, e as emoções interpessoais – aquelas que partilhamos com outros ou usamos para nos relacionarmos com outros. Mas o mero QE não pode ajudar-nos a cobrir a distância. É necessário o QEs para compreendermos quem somos e o que as coisas significam para nós, e como é que estas dão aos outros e ao que eles representam um lugar no nosso mundo (Zohar & Marshall, 2004).

Na opinião de Zohar (entrevistada por Naiditch, 2001), o capitalismo como se conhece hoje vai acabar, mas um novo capitalismo está a nascer. Como consequência, está a surgir um novo tipo de empresa. É uma empresa responsável. No novo capitalismo sobreviverão as companhias que têm visão de longo prazo, que se preocupam com o planeta e em desenvolver as pessoas que nelas trabalham. Que se preocupam, sim, com o lucro, mas que querem ganhar dinheiro para desenvolver as comunidades em que actuam, proteger o meio ambiente, propagar a educação e a saúde. Desta forma, Zohar defende que podemos conciliar espiritualidade e riqueza. Isso é bom e ajuda a melhorar a motivação e a produtividade nas empresas.

 

 

 

O conceito de Quociente Espiritual (QEs) foi proposto pela física, filósofa, psicóloga e teóloga norte-americana Danah Zohar, actualmente professora do Programa de Liderança Estratégica na Universidade de Oxford (Inglaterra), e seu marido Ian Marshall, graduado em Psicologia, Filosofia e Medicina (na especialidade de Psiquiatria). Zohar tem sido procurada por grandes companhias interessadas em desenvolver o Quociente Espiritual dos seus funcionários e dar mais sentido ao seu trabalho. Ela baseia o seu trabalho em pesquisas só há pouco divulgadas de cientistas de várias partes do mundo que descobriram o que está ser chamado "Área de Deus" no cérebro, uma área nos lobos temporais que seria responsável pelas experiências espirituais das pessoas e que nos faz procurar um significado e valores para as nossas vidas.

 

As três inteligências

 

De acordo com Zohar (entrevistada por Naiditch, 2001), a Inteligência Espiritual é uma terceira inteligência, depois do Quociente de Inteligência ou Inteligência Intelectual (QI) e da Inteligência Emocional (QE). A Inteligência Espiritual coloca os nossos actos e experiências num contexto mais amplo de sentido e valor, tornando-os mais efectivos. Ter alto Quociente Espiritual (QEs) implica ser capaz de usar o espiritual para ter uma vida mais rica e mais cheia de sentido, adequado senso de finalidade e direcção pessoal. O QEs aumenta os nossos horizontes e torna-nos mais criativos. É uma inteligência que nos impulsiona. É com ela que abordamos e solucionamos problemas de sentido e valor. O QEs está ligado à necessidade humana de ter propósito na vida. É ele que usamos para desenvolver valores éticos e crenças que vão nortear as nossas acções. Permite o pensamento criativo, capacidade de insights, formular e revogar regras. É o pensamento com que se formulam e se transformam os tipos anteriores de pensamento.

 

O que significa espiritualidade nos negócios?

 

Desde o surgimento do capitalismo, há 200 anos, tudo o que importa no mundo dos negócios é o lucro imediato. Isso criou uma cultura corporativa destituída de significado e de valores mais profundos. Nós apenas queremos mais dinheiro. Mas para quê? Para quem? Trabalhamos para consumir. É uma vida sem sentido. Isso afecta o moral, tanto dos dirigentes quanto dos empregados, a sua produtividade e criatividade. E também afasta dos negócios preocupações mais amplas com o meio ambiente, a comunidade, o planeta e a sustentabilidade. O mundo corporativo é um monstro que se autodestrói porque lhe falta uma estrutura mais ampla de significado, valores e propósitos fundamentais. Há uma profunda relação entre a crise da sociedade moderna e o baixo desenvolvimento da nossa Inteligência Espiritual (Zohar, entrevistada por Naiditch, 2001).

Espiritualidade nos negócios significa simplesmente trabalhar com um sentido mais profundo de significado e propósito na comunidade e no mundo, tendo uma perspectiva mais ampla, inspirando os seus funcionários. As pessoas espiritualmente inteligentes podem beneficiar as corporações, porque querem sempre fazer mais do que se espera delas. Algo para além da empresa. Quem trabalha unicamente por dinheiro não faz o melhor que pode. Nas empresas em que se busca desenvolver espiritualmente os funcionários, a produtividade aumenta porque eles ficam mais motivados, mais criativos e menos stressados. As pessoas dão tudo de si quando se procura um objectivo mais elevado. Se as organizações derem espaço para as pessoas fazerem algo mais, se souberem desenvolver em cada indivíduo a sua Inteligência Espiritual, terão mais resultados e mais rapidamente (Zohar, entrevistada por Naiditch, 2001).

 

QEs e liderança

 

Um líder espiritualmente inteligente é um líder inspirado pelo desejo de servir, uma pessoa responsável por trazer visão e valores mais altos aos demais e por lhes mostrar como usá-los. É uma pessoa que inspira as outras, tem perspectivas amplas. Gente como o Dalai Lama, Nelson Mandela ou Mahatma Gandhi (Zohar, entrevistada por Naiditch, 2001).

 

Como se pode desenvolver a Inteligência Espiritual?

 

 

Podemos desenvolver o QEs procurando mais o porquê e as conexões entre as coisas, trazendo para a superfície as suposições que fazemos sobre o sentido delas, tornando-nos mais reflexivos, assumindo responsabilidades, sendo honestos connosco mesmos e mais corajosos. Tornando-nos conscientes de onde estamos, quais são as nossas motivações mais profundas. Identificando e eliminando obstáculos. Examinando as numerosas possibilidades, comprometendo-nos com um caminho e permanecendo conscientes de que são muitos os caminhos. E, tomando consciência das dez qualidades comuns às pessoas espiritualmente inteligentes e trabalhar para desenvolvê-las. Estas pessoas: (1) praticam e estimulam o autoconhecimento profundo; (2) são levadas por valores. São idealistas; (3) têm capacidade de encarar e utilizar a adversidade; (4) são holísticas; (5) celebram a diversidade; (6) têm independência; (7) perguntam sempre "por quê?"; (8) têm capacidade de colocar as coisas num contexto mais amplo; (9) têm espontaneidade; e, (10) têm compaixão (Zohar, entrevistada por Naiditch, 2001).

 

 

 

A definição de produtividade, para além de incluir conceitos como eficiência (relação resultados/inputs) e eficácia (resultados alcançados em função de um determinado objectivo), inclui também outros factores como é o caso do absentismo, etc. (Passos, 2001). Desta forma, as pessoas espiritualmente inteligentes poderão beneficiar a produtividade das empresas, já que ao serem menos stressadas a sua taxa de absentismo poderá ser menor. Por outro lado, Zohar e Marshall (2004) referem que é provável que uma pessoa com QEs elevado seja um líder ao serviço – alguém que é responsável por trazer uma visão superior e valores aos outros e que lhes mostra como usá-los, por outras palavras, uma pessoa que inspira outras. Alguns estudos sugerem que os líderes carismáticos, i.e., os líderes que denotam esforços, sacrifícios e riscos pessoais em prol da organização e dos seus seguidores tendem a induzir mais elevados níveis de esforço e de empenhamento das pessoas (Rego & Cunha, 2003).

 

Contudo, Zohar e Marshall (2004) referem que as características de um QEs altamente desenvolvido incluem aquilo a que os psicólogos chamam "independente do campo" – possuir uma facilidade para trabalhar contra as convenções. Isso quer dizer ser capaz de estar contra a multidão, defender uma opinião impopular se isso for aquilo em que acredita profundamente. Se uma pessoa existe meramente a partir da sua camada do ego, então é simplesmente um conjunto de mecanismos de cópias individualizados que construiu em resposta à sua experiência, uma máscara. E se ela viver a partir da sua camada média, associativa, faz parte do grupo. Então, a presença de indivíduos espiritualmente inteligentes no seio de determinados grupos poderia eventualmente diminuir a coesão entre os seus membros, ao prejudicar a comunicação e reduzir a conformidade de atitudes entre os membros do grupo (Curral & Chambel, 2001).

Para além disso, "Ao contrário da inteligência comum, que é linear, lógica e racional, a Inteligência Espiritual não se pode quantificar" (Zohar & Marshall, 2004, p. 299). Isto levanta dificuldades ao nível do recrutamento e selecção de pessoas espiritualmente inteligentes para as empresas, bem como avaliar os resultados de programas de desenvolvimento do Quociente Espiritual.

Por fim, poderíamos criticar a teorização da Inteligência Espiritual por ela romper com o chamado paradigma newtoniano-cartesiano (ou real-materialista), que tem dominado a Ciência ocidental nos últimos 300 anos, e cujas principais características, são: (1) o mecanicismo (concepção do Universo como um mecanismo, uma máquina, sujeito a leis matemáticas. Essa "máquina" é composta de partes chamadas átomos, que são os constituintes da matéria); (2) o empirismo (apenas o conhecimento a partir de factos concretos, passíveis de serem apreendidos pelos sentidos e passíveis de mensuração, teria valor científico); (3) o determinismo (uma vez conhecendo-se as leis que causam os fenómenos seria possível determinar com precisão a sua evolução); e, (4) a fragmentação (a decomposição do objecto de estudo nas suas partes componentes - o método analítico). Esta concepção de realidade descrita pela Física foi também decisiva no desenvolvimento de outras ciências, como a Medicina e a Psicologia (Tavares, 1993). Todavia, nunca é de demais relembrar que o conhecimento científico é considerado aberto, pois: a) não conhece barreiras que, a priori, limitem o conhecimento. A Ciência não dispõe de axiomas evidentes: até os princípios mais gerais e "seguros" constituem postulados que podem ser mudados ou corrigidos; b) a Ciência não é um sistema dogmático e cerrado, isto é, constitui um sistema aberto porque é falível e, em consequência, capaz de progredir: quando surge uma nova situação, na qual as leis existentes se revelam inadequadas, a Ciência propõe-se a realizar novas investigações, cujos resultados induzirão à correcção ou, até à total substituição das leis incompatíveis; e, c) dependendo dos instrumentos de investigação disponíveis e dos conhecimentos acumulados, até certo ponto está ligado às circunstâncias da sua época: a aplicação de novos instrumentos e técnicas pode aprofundar as investigações, ao passo que o meio natural ou social pode sofrer modificações significativas. Dessa maneira, podem-se considerar os sistemas de conhecimento como organismos vivos, que crescem e se modificam, assegurando o progresso da Ciência (Lakatos & Marconi, 1991). Como escreveu o físico suíço e depois norte-americano Albert Einstein (1879-1955) (citado por Rause, 2001): "A mais bela coisa que podemos viver é o misterioso. É a emoção fundamental que suporta o berço da verdadeira ciência. Quem já o esqueceu e já não se interroga nem se maravilha é como se estivesse morto".

 

 

O propósito deste trabalho foi fazer uma avaliação crítica do artigo de Suzana Naiditch intitulado Deus e negócios, publicado pela revista Exame (versão brasileira) em 25 de Julho de 2001. Este artigo debruça-se sobre um tema tão novo quanto polémico: a existência de um terceiro tipo de inteligência, a Inteligência Espiritual, e a sua aplicação nos negócios. O assunto é tão actual que foi abordado em recentes reportagens de capa pelas revistas norte-americanas Newsweek e Fortune.

 

publicado por alexandreramos às 20:46
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