De acordo com C. Grof e S. Grof (1994), podemos considerar como formas de emergência espiritual, entre outras:
● A crise xamânica;
Se algumas destas experiências evocam áreas do domínio da Antropologia, outras estão conotadas com filosofias e religiões orientais, outras referem-se a domínios de crenças ocidentais modernas conotadas com o movimento New Age e outras derivam do progresso da Medicina.
O Xamanismo é a mais antiga religião e arte curativa da humanidade. Trata-se de um fenómeno universal, que surgiu provavelmente na era paleolítica e sobreviveu na maioria das sociedades pré-industriais até aos nossos dias. A carreira de muitos xamãs - feiticeiros curadores ou curandeiros e curandeiras - em diferentes culturas, começa com um dramático episódio visionário involuntário que os antropólogos denominam «enfermidade xamânica». Nesse período, os futuros xamãs podem perder o contacto com o ambiente e ter intensas experiências interiores, que envolvem jornadas ao mundo inferior (inferno) e ataques de demónios que os expõem a incríveis torturas e provações, que costumam culminar em vivências de morte e desmembramento seguidas pelo renascimento e a subida para regiões celestiais. Além dos elementos de tortura física e emocional, de morte e de renascimento, esses estados envolvem também experiências de ligação com animais, plantas e forças elementais (“espíritos”) da natureza (S. Grof & C. Grof, 1995b).
Maliszewski (1996) refere que os mestres da arte marcial indiana Kalarippayattu, embora considerem o Yôga como a prática suprema para alcançar a hiperconsciência, realçam que também é possível despertar a kundaliní, através do treino correcto desta arte marcial.
A palavra kundaliní evoca algo de exótico ligado a civilizações orientais e, até por isso, surge arredada dos glossários de Medicina. No entanto, muitos médicos ocidentais têm vindo a descrever casos clínicos, que para os conhecedores de uma tradição espiritual oriental, apresentam semelhanças extraordinárias com descrições clássicas do despertar da kundaliní. Parece, então, que se trata de um fenómeno que existe para além de uma ligação específica a uma cultura (Simões, 1997b).
Em 1932, Carl Gustav Jung, fundador da Psicologia Analítica, organizou um seminário internacional sobre a Psicologia do Kundaliní Yôga. Jung (1996) estava convencido que o simbolismo do Kundaliní Yôga sugeria que a bizarra sintomatologia presente nalguns pacientes do tempo presente, nomeadamente a localização peculiar dos sintomas físicos, resultava do despertar da kundaliní. Segundo S. Grof e C. Grof (1993, 1995b), esta síndrome da «fisio-kundaliní» pode ser acompanhada de: (1) manifestações físicas e psicológicas dramáticas, chamadas kriyás em sânscrito; (2) sensações poderosas de calor e energia subindo ao longo da espinha, associadas com tremores violentos, espasmos e movimentos serpeantes; (3) fortes ondas de emoções aparentemente imotivadas, tais como, ansiedade, raiva, tristeza, enlevo jubiloso ou extático, riso ou choro involuntários, sensações orgásticas, estados de indescritível paz e tranquilidade, depressão, ansiedade e agitação relacionada com sensação de insanidade ou morte; (4) comportamentos involuntários e, com frequência, incontroláveis, nomeadamente: assumir espontaneamente posições de Yôga (ásanas) e gestos com as mãos (mudrás), vocalizações de mantras (cânticos) ou canções, falar em línguas estranhas ou emitir sons vocais desconhecidos ou sons de animais; (5) visões de símbolos geométricos, de luzes brilhantes e radiantes, complexas visões de seres arquétipos, tais como, santos, divindades, demónios, e completas sequências mitológicas; (6) percepção de fenómenos acústicos que parecem vir do interior e que incluem uma variedade de sons; e, (7) experiências do que parecem ser lembranças de vidas passadas.
Na experiência culminante ou de pico (peak experience), ocorre a dissolução das fronteiras pessoais e surge a sensação de unidade/fusão com outras pessoas, com a natureza ou com todo o universo. As categorias comuns de tempo e espaço parecem ser transcendidas e a pessoa pode ter o sentido do infinito ou da eternidade (S. Grof & C. Grof, 1995b). As emoções associadas com esses estados variam de sensação de felicidade, grande prazer, “iluminação” (B. Berger & McInman, 1993), paz e serenidade profundas, a enlevo místico (S. Grof & C. Grof, 1995b). Na opinião de Maslow (1991), é muito importante separar esta experiência de qualquer referencial teológico ou sobrenatural, apesar de durante milhares de anos ela ter sido associada com tais coisas. Aparentemente, a experiência culminante é uma intensificação enorme de qualquer das experiências em que se perde ou transcende a noção de eu, envolve uma concentração intensa e uma experiência sensual profunda ou a audição de Si. Segundo Kretchmar (1994), apesar destes estados de “tranquilidade em acção” serem difíceis de recriar, são inesquecíveis e podem surgir na prática da dança e de diversos desportos, quer em praticantes avançados, quer em principiantes.
Muitas tradições espirituais e escolas místicas descrevem a emersão de várias habilidades “paranormais” como uma fase natural, porém perigosa, da evolução da consciência. Muitas pessoas em crise de transformação relatam casos específicos de percepção extra-sensorial, tais como: experiências fora do corpo, visão remota, precognição, telepatia e fenómenos de «sincronicidade». Nos estágios mais avançados que se seguem à superação desses obstáculos críticos, uma maior intuição e habilidades psíquicas podem tornar-se partes integrantes da vida das pessoas. Nesse instante, são integradas a uma nova visão “mística” do mundo e não apresentam problemas. No entanto, ocasionalmente, o influxo de informação de fontes incomuns torna-se tão dominador que controla a situação, tornando-se uma emergência espiritual. Além disso, quando uma pessoa se torna familiarizada com as habilidades psíquicas e adequada aos eventos, pode encontrar outro tipo de problemas. Por exemplo, é fácil ficar fascinado, orgulhoso, e interpretar estas ocorrências como a indicação de superioridade própria ou de um chamado especial. Tal atitude é perigosa, pois pode resultar no inflar do ego (C. Grof & S. Grof, 1994), levando muitas vezes à utilização dessas capacidades para benefício próprio e com total falta de escrúpulos (Almendro, 1998).
A mitologia, o folclore e a literatura espiritual do mundo apresentam bastantes relatos vívidos de experiências associadas com a morte e o morrer (experiências de quase morte). No passado, esta “mitologia funerária” era considerada pela ciência ocidental produto da fantasia e da imaginação de povos incultos (S. Grof & C. Grof, 1995b). No entanto, estas vivências têm sido mais estudadas a partir dos anos 70-80, após a publicação de alguns estudos conduzidos por médicos sobre moribundos e as suas experiências em estados terminais. Este tipo de relato é sentido como real e 90% do que foi relatado corresponde à maioria das vivências de pessoas que estiveram, realmente, próximas da morte (Simões, 1998). Este tipo de vivências surge não só em pessoas que sofreram paragem cardíaca como, nalguns casos, em pessoas que sofreram um acidente, sem contudo chegar a haver paragem cardíaca (Gomes, 1997). Segundo Simões (1998), uma experiência de quase morte clássica engloba as seguintes fases: (1) em primeiro lugar, ocorre uma suposta saída do corpo físico (OBE - out of body experience). A pessoa não sente dor nem tem qualquer sensação corporal. Encontra-se num silêncio cristalino e começa a ter consciência visual do ambiente, parecendo que observa a cena de cima, com o seu corpo lá em baixo; (2) de repente, a sua atenção é atraída para uma escuridão, que lhe parece estar a atravessar e que se assemelha à configuração de um túnel. À medida que se aproxima do final deste túnel tem a visão de uma luz extremamente brilhante - branca dourada - que não ofusca, sem fonte de procedência e que tudo cobre, sentindo-se permeado por ondas de “amor puro”. O tempo pára, como se estivesse numa paisagem paradisíaca de eternidade, de perfeição e totalidade, por vezes acompanhado por uma música celestial; (3) surgem presenças ou seres de luz, quase sempre identificados como antepassados falecidos, figuras religiosas ou uma presença, que não se vê, mas cuja consciência mantém consigo um diálogo telepático, informando-a que deve decidir se quer permanecer ali ou regressar e nesse momento revê um milhão de imagens simultâneas de tudo o que se passou na sua vida. Não existe julgamento exterior, pois é o próprio que capta o significado essencial da sua vida e avalia eticamente os seus pensamentos, palavras e acções. Nesta altura toma consciência que deve regressar, para acabar uma tarefa, por causa da família,…e sente dores.
Em suma, os estados modificados de consciência não são patológicos em si mesmos, isto é, decorrem de um contexto, frequentemente mágico, religioso ou curativo, sendo integrados na cultura que os propicia (Simões, 1997c). Além disso, os estados modificados de consciência têm geralmente a duração de minutos ou horas, o que os diferencia da maioria das doenças psiquiátricas (Simões, 1996). Só a sua persistência ou falta de autonomia pessoal ou social após a sua vivência os tornam patológicos (Simões, 1997c).
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