Quem Tem a Culpa?
Culpada a Sociedade?
As razões particulares de adesão às seitas e cultos enunciadas pelos investigadores poderão, no entanto, resultar de um contexto mais geral. A maior parte dos novos movimentos religiosos são de aparição recente no mundo ocidental. Os mórmones (membros da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias) surgiram em 1830, mas os raelinos (seguidores de uma religião de extraterrestres), só surgiram em 1975. Metade dos grupos hoje activos nasceram depois de 1950. A tendência acelera-se e é de notar a coincidência do aparecimento destes movimentos com o surgir da Revolução Industrial nos séculos XIX e XX. De facto, os progressos da ciência abalaram a liderança da Igreja Católica ao questionarem verdades tidas absolutas pelo crente (Vernette, 2002). No século XX, a racionalidade tornou-se a medida última de todas as coisas, substituindo com rapidez a espiritualidade e as crenças religiosas. No curso da Revolução Científica ocidental, todas as coisas que tivessem a mínima relação com o misticismo eram desqualificadas como resquício da "Idade das Trevas" (S. Grof & C. Grof, 1995). O processo de secularização, segundo o qual as instituições religiosas perdem a sua significação social, veio acentuar a tendência. E a revolução tecnológica que se iniciou pode acelerar o movimento (Vernette, 2002).
Então, será culpada a sociedade pelo aparecimento das seitas/cultos? Talvez. É a sociedade, em conivência com a família, que com a sua permissividade, a sua passividade, o seu consumismo, a sua insolidariedade, gera delinquentes, toxicodependentes, sectários, fanáticos e destruídos, libertinos que se tornam "verdugos da mãe que os gerou". A crise das estruturas sociais e tradicionais, dos modelos culturais, dos grupos tradicionais e dos valores, causada pela industrialização, pela urbanização, pela migração, pelo rápido desenvolvimento, pelos sistemas de comunicação, pelos sistemas racionais tecnocráticos, etc., deixaram muitos indivíduos confusos, desarraigados, inseguros e, portanto, vulneráveis às seitas e cultos (Prieto, 1994). Com efeito, as sociedades industrializadas criam estruturas despersonalizantes que geram situações de crise a nível individual e colectivo. Estas situações levam ao aparecimento das aspirações e das necessidades que as seitas e cultos dizem poder satisfazer facilmente (Vernette, 2002).
Estamos e vivemos numa sociedade descaradamente materialista, despersonalizada, carecida de valores, de modelos culturais e de líderes catalisadores, carecida de objectivos válidos e de sentidos últimos, de visões grandiosas da vida e da história. Muitas pessoas sentem-se inquietas consigo mesmas (crise de identidade) e com o futuro (desemprego, perigo de guerra nuclear, terrorismo, etc.). Outros problemas estão relacionados com a noção de verdade e do seu fundamento; incerteza e falta de confiança na política; domínio económico e ideológico; significado da vida, de si próprio e dos outros, dos acontecimentos, das situações, das coisas do além... A nossa sociedade é fria, agnóstica, materialista e pragmática; por isso têm mais êxito as ofertas de amizade, de amor, de espiritualidade e de idealismo que as seitas e os cultos oferecem. O homem sente-se como um simples número no meio da massa dos viventes. Por isso, muitos crêem e querem encontrar esses valores nas seitas (ou cultos) (Prieto, 1994).
Todos os analistas estão de acordo em que o ambiente frio, desumanizado, despersonalizado, rasteiro e consumista é que obriga muitos a "emigrar", como as aves no Inverno, para o clima "mais quente" das seitas/cultos. O homem actual sente-se perdido no meio do mundo, no meio de uma sociedade que o "atira pela borda fora", o arrasta e o leva como uma torrente de pessoas em que está encaixado. O mundo e a existência parecem-lhe caóticos: não sabe donde vem nem para onde vai, nem quem organizou isto, esta "máquina" na qual é um "parafuso" insignificante que se move com o conjunto. As seitas/cultos oferecem um produto de que o homem moderno sente especial necessidade: a segurança. Nisso estão de acordo todos os sociólogos e psicólogos das seitas/cultos (Prieto, 1994).
O homem moderno não tem uma norma, tem falta de orientação, falta de participação na tomada de decisões e falta de respostas reais aos seus problemas reais. Por outro lado, tem medo por causa das várias formas de violência, de conflito, de hostilidade, medo de um desastre ecológico, da guerra e do holocausto nuclear, dos conflitos sociais, etc. Em resumo: tem que se dizer que o homem moderno sofre de insegurança e angústia; por isso, muitos recorrem às seitas e cultos para pacificar esses estados de alma. Estas organizações têm êxito porque a sua oferta responde à procura (Prieto, 1994).
E a família, como parte da sociedade, também terá culpa? A fuga para essas organizações sectárias por parte de muitos, principalmente jovens, acusa as suas famílias, que choram desesperadamente a sua situação, porque foi ocasionada pela falta de hospitalidade da própria família, pela conflitualidade vivida, pela falta de autoridade moral, por serem a causa de crises psicológicas dos seus filhos ou por não lhes estenderem a mão para superarem as que têm outras origens, pelo farisaísmo nas práticas religiosas e por não terem dados aos seus filhos uma adequada educação religiosa. O clima "carregado" que se vive no lar, pode levar a que os filhos queiram passar o dia no local da seita (ou culto) e não queiram voltar para casa. Para muitos jovens a filiação numa destas organizações é uma forma de contestação à sociedade de que não gostam, à religião tradicional, aos modos convencionais da sociedade (Prieto, 1994).
O homem moderno sente-se inseguro e perdido no meio da nossa sociedade, em conflito, em tensão, e por isso busca refúgios, saídas para a sua situação de angústia inconsciente. Para uns essa saída é a droga, para outros a diversão louca e contínua, para outros as seitas e os cultos, e finalmente, para outros, a situação extrema e dramática do suicídio. Em não poucos casos, principalmente os jovens, escolhem as seitas austeras e ascéticas, como reacção e fuga ao aburguesamento suave, contra o facilitismo pateta, contra o consumismo rasteiro. Fascinados pelo heróico, pelo difícil, pelo diferente, rumam para essas organizações religiosas que pregam a austeridade, a morigeração e o domínio de si mesmo (Prieto, 1994). Salarrullana (citada por Prieto, 1994) oferece-nos os resultados de um inquérito da Comissão Interministerial para a Juventude de Espanha, feito a 1571 jovens espanhóis, de idades compreendidas entre os 14 e os 19 anos, e residentes em cidades com mais de 10 000 habitantes. São jovens ex-adeptos de seitas/cultos, que além de responderem a um questionário, foram submetidos a 10 entrevistas e a 2 grupos de discussão. Este inquérito teve como objectivo traçar o retrato falado de um jovem-possível-sectário. Os dados revelam que os jovens "captáveis" não são nem os filhos dos que fizeram a guerra civil espanhola, nem os filhos dos que fizeram a transição democrática. São jovens da classe média burguesa mais ou menos alta. Não tiveram que lutar por nada. São filhos dos que, durante a época franquista, se instalaram numa classe média burguesa. O que têm e são encontraram-no já feito pelos seus pais e avós; é uma geração que se podia definir como «consumidores de soluções imediatas». Queixam-se de tédio, de falta de comunicação, de falta de ideias e de desorientação. Por isso não é nada estranho que haja uma surpreendente coincidência entre as buscas dos jovens e a oferta das seitas/cultos. A associação ideal a que queriam pertencer teria que oferecer as seguintes oportunidades e ter as seguintes características:
Inonue (citado por Prieto, 1994), investigador japonês de seitas/cultos, afirma que este fenómeno social no Japão deve-se ao sentimento de vazio que invade os jovens. Nascidos num mundo de abundância, os jovens não se sentem estimulados a enriquecer mais e o que procuram é um sentimento de plenitude psicológica, uma motivação real.
Aos desiludidos, sobretudo jovens, as seitas/cultos apresentam-se como uma sociedade alternativa, face à velha "sociedade contaminada". Face a contravalores apresentam os verdadeiros valores que fazem com que os homens se sintam felizes. Face a uma família anquilosada e hipócrita apresentam uma família «pura e autêntica» e um novo lar (a comunidade) que irradia paz e compreensão. Frente ao individualismo que cria a indefesa e a insegurança, a fusão num grupo/unidade biológica, que isola e protege. Face ao racionalismo frio e insatisfatório, o dogma e o irracional, o mágico e o pseudocientífico, que decifram os mistérios da natureza e do ser humano. Frente à angústia e à insegurança, a segurança que dá a confiança depositada no dogma e no líder. Face ao trabalho explorador e avarento, o trabalho gratuito e entusiasmado por uma "causa". Face ao lucro e ao consumismo como motores da existência, o esforço desinteressado e o sacrifício motivado. Frente à falta de pontos de referência claros e seguros, a existência de objectivos claros e concretos que dinamizem a vida diária (Prieto, 1994).
Mas, não se trata apenas de jovens. As pessoas idosas interessam pelas mesmas razões aos novos «mercadores de Deus». Solitários tantas vezes, os idosos são, de facto, mais facilmente seduzidos por essas pessoas bondosas que passam a fazer-lhes visitas ao domicílio, lhes oferecem uma mensagem de elevada tonalidade espiritual e lhes prestam uma ajuda benévola para fazer recados ou a limpeza da casa. Em troca, como recusar uma dádiva financeira? No cofre de Jim Jones, o chefe da Seita do Templo do Povo, foram encontradas numerosas ordens de pagamento de pessoas de idade avançada (Vernette, 2002).
As seitas e cultos parecem, assim, satisfazer tais aspirações no plano afectivo e intelectual, bem como a compensação de determinadas carências. Que carências são essas, que são igualmente razões aparentes de sucesso destes novos movimentos religiosos? A procura de pertença ou de comunidade, em reacção contra uma sociedade dura e despersonalizante. A necessidade de respostas precisas, de factores de segurança num mundo em mudança rápida e no qual as certezas tradicionais parecem ceder perante as invectivas das constantes controvérsias. A busca de integralidade numa harmonia total, psicocorpórea e psicoespiritual, a qual dará origem, sobretudo, a um crescimento de grupos de terapia que funcionam como religiões de substituição. A necessidade de reconhecimento social, de participação e de empenhamento activo, em especial nas camadas socialmente desfavorecidas. A reivindicação de identidade cultural, pela promoção de cultos autóctones, nomeadamente em países do Terceiro Mundo. A busca de transcendência e de experiência religiosa pessoal directa, que não é saciada numa civilização altamente tecnicista e que parece ter perdido a própria alma. A procura duma direcção espiritual e dum chefe carismático para «seguir o caminho certo». A aspiração a uma visão positiva do futuro, como uma «nova idade» do mundo, quando o medo colectivo cresce com a violência, os conflitos armados, as perturbações planetárias, as ameaças de pandemias, as alterações climáticas... Os temas do discurso destes grupos tornaram-se, aliás, bastante próximos. Anunciam o fim deste mundo com o início do século XXI e a entrada da era astrológica de Aquário. Oferecem refúgio garantido na sua Arca de Salvação para atravessar o apocalipse que se avizinha. Afirmam que regressaram à autêntica leitura da Bíblia e ao cristianismo primitivo (Vernette, 2002).
Outros dizem estar a abrir o caminho da serenidade pela exploração da via interior, graças a métodos importados do Oriente (Yôga, Zen, Reiki, etc.) ou a técnicas de desenvolvimento pessoal do Movimento do Potencial Humano. Cada qual garante, com impressionante convicção, ser detentor da Verdade absoluta, dos segredos para a cura da alma e do corpo, e fornecer os fundamentos garantidos da Paz Universal (Vernette, 2002).
Um movimento de inspiração anglo-saxónica está a espalhar-se como "o fogo no mato" em meios francófonos, depois de ter invadido os meios germanófonos: o New Age ou «Nova Idade» (Vernette, 2002). Segundo Vernette (1995, 2002), a New Age é um «novo paradigma», isto é, uma nova maneira de ver as coisas em todos os domínios. A ideia essencial da New Age é que a humanidade, na véspera da próxima mudança de era, com a passagem da era astrológica de Peixes para a de Aquário, está prestes a entrar numa idade nova de tomada de consciência espiritual e planetária, ecológica e mística, de harmonia e de luzes, marcada por mutações psíquicas profundas. A New Age representa um conjunto de práticas aparentemente heteróclitas, mas unificadas por uma visão de humanização total, «holística»: técnicas de «expansão da consciência»; medicinas da alma; Astrologia; canalização ou comunicação com entidades do "mundo invisível"; domínio do corpo com as artes marciais, a caixa de isolamento sensorial ou as terapias suaves; e, domínio da natureza com a arte floral, a ecologia ou o vegetarianismo. Em suma, trata-se de reunir na unidade tudo quanto era diverso. Inclusive todas as religiões. Assistir-se-ia em particular à segunda vinda de Cristo cujas «energias» já estariam a actuar entre nós, no meio dum pulular de múltiplas buscas espirituais e de grupos religiosos característicos da nossa época.
Culpadas as Igrejas e Religiões Tradicionais?
Será o "outono" das igrejas que faz a "primavera" das seitas e cultos? Isso seria uma análise demasiado simples, mas não se pode evitar a interpretação. Se a proliferação das seitas e cultos representa indubitavelmente um problema de sociedade, também exprime, com a mesma acuidade, um problema de decadência das igrejas tradicionais (Vernette, 2002). As razões dos êxitos positivos das seitas, cultos e dos novos movimentos religiosos entre os católicos, principalmente, podem catalogar-se em diferentes níveis. Estão em primeiro lugar, em relação íntima com as necessidades e aspirações, que aparentemente não alcançam dentro das igrejas cristãs tradicionais. Muitos dos que ainda estão dentro delas e muitos que estão fora consideram estas igrejas apenas como instituições. Isso pode ser explicado pela demasiada importância dada à sua estrutura e não tratam de levar suficientemente o povo de Deus para Cristo (Prieto, 1994).
A recrudescência das seitas e cultos surge assim enquanto consequência de um certo enfraquecimento das igrejas tradicionais e não a sua causa, como seria sugerido pela expressão «a ofensividade das seitas/cultos». Responde sobretudo ao desejo potencial de certas categorias de pessoas em busca de sentido e de religioso. Esta busca manifestou-se com mais força após o fracasso do movimento de contestação dos anos 60 do século XX, que em França culminou no Maio de 68, e convidou os jovens decepcionados com a contracultura a lançarem-se na aventura da construção duma sociedade nova por novos caminhos: «A sociedade só se transformará se nos transformarmos a nós próprios». O movimento foi então recuperado progressivamente pelos novos movimentos religiosos que lhes ofereciam, naquele vazio ideológico e naquela abertura psicológica, a mesma ruptura com o «sistema» social vigente e um quadro de segurança, uma vida calorosa e disciplinada que reintegrava os valores de ordem da sociedade global. Os Meninos de Deus, por exemplo, nascem nos meios hippies de São Francisco – Califórnia, em volta dum antigo pastor da Igreja Metodista que quer «levar a verdadeira mensagem do Evangelho à juventude desiludida, drogada e revoltada dos Estados Unidos da América». Apresentam-se como «nómadas revolucionários que rejeitaram a velha geração perdida para trazer uma nova religião a uma geração nova» (Vernette, 2002).
Existem muitas deficiências e insuficiências no comportamento actual das igrejas tradicionais, que podem facilitar o êxito positivo das seitas e cultos. Por exemplo, a falta de uma comunidade de acolhimento, de participação social, de transcendência, de guias ou modelos de referência. Face à burocratização e ritualismo vazios das igrejas tradicionais, as seitas/cultos apresentam a sacramentalização e a celebração integradoras. Frente à falta de pontos de referência claros e seguros, a existência de objectivos claros e concretos que dinamizem a vida diária. Frente à incoerência nas religiões tradicionais entre o que se crê e o que se vive, as seitas/cultos oferecem a coerência total entre o que crê e o que se faz (Prieto, 1994).
É evidente que uma igreja demasiado condicionada pela institucionalização e não suficientemente carismática é o reverso das aspirações do homem moderno, principalmente dos jovens, que sempre incidem no extremo contrário de reduzir a igreja só ao carisma. Os jovens, manifestam uma forte rejeição pela religião clássica, da qual temem o seu carácter de ente incontrolável, despersonalizante e limitador da autonomia pessoal. Numerosos jovens ecoam o seu grito de protesto: «Cristo sim! Igreja não!» (Prieto, 1994).
Aspectos que Determinam um Grupo Religioso como Destrutivo da Personalidade
Lifton (1989), depois de ter estudado os efeitos do controlo da mente de prisioneiros de guerra americanos na China comunista, enumerou oito aspectos principais que podem ser usados para determinar se um certo grupo é uma seita/culto destrutivo da personalidade:
1. Controlo do Meio
As seitas/cultos usam várias técnicas para controlar o meio dos seus seguidores, mas usam quase sempre uma forma de isolamento. Os adeptos podem ser fisicamente separados da sociedade ou pode-se ordenar-lhes, sob pena de punição, que se mantenham afastados de pessoas de outras religiões e dos ateus, e também dos meios de comunicação social, especialmente se estes os levarem a pensar criticamente. Todos os livros, filmes ou testemunhos de ex-membros do grupo (ou de qualquer outra pessoa que critique o grupo) têm de ser evitados. A organização ‘mãe’ arquiva cuidadosamente informações acerca de cada adepto. Todos são vigiados, para que não se afastem nem se adiantem em relação às posições da organização. Isto permite que a organização pareça omnisciente aos adeptos, pois sabe tudo sobre todos.
2. Manipulação Mística
Nas seitas/cultos religiosas(os), Deus está sempre presente nas actividades da organização. Se uma pessoa sai da seita/culto, quaisquer acidentes ou infortúnios que lhes aconteçam são interpretados como um castigo de Deus. A seita/culto diz que os anjos estão sempre a velar pelos fiéis e circulam histórias, como Deus está realmente a fazer coisas maravilhosas entre eles, porque são "a verdade". Desta forma, a organização reveste-se de uma certa "mística" que atrai o novo adepto.
3. Exigência de Pureza
O mundo é descrito a preto-e-branco, ou seja, existem os "bons" e os "maus". A conduta da pessoa é modelada de acordo com a ideologia do grupo, conforme esta é ensinada na sua literatura. As pessoas e as organizações são descritas como boas ou más, dependendo do seu relacionamento com a seita/culto. Usam-se sentimentos de culpa e vergonha para controlar indivíduos, mesmo depois de eles saírem da seita/culto. Eles têm grande dificuldade em compreender as complexidades da moral humana, pois polarizam tudo em bem e mal e adoptam uma posição simplista. Tudo o que é classificado como mau, tem de ser evitado e a pureza só pode ser atingida se o adepto se envolver profundamente na ideologia da seita.
4. O Culto da Confissão
Os pecados graves (segundo os critérios da organização) têm de ser confessados imediatamente. Os membros da seita/culto que forem apanhados a fazer alguma coisa contrária às regras têm de ser denunciados imediatamente. Existe muitas vezes uma tendência para ter prazer na degradação de si mesmo através da confissão. Isto acontece quando todos têm de confessar regularmente os seus pecados na presença de outros, criando assim uma certa unidade dentro do grupo. Isto também permite que os líderes exerçam a sua autoridade sobre os mais fracos, usando os "pecados" deles como um chicote para controlá-los.
5. A "Ciência Sagrada"
A ideologia da seita/culto torna-se na moral definitiva para estruturar a existência humana. A ideologia é demasiada "sagrada" para se duvidar dela e requer-se que o adepto tenha reverência pelos líderes. A seita/culto alega que a sua ideologia tem uma lógica infalível, fazendo parecer que é a verdade absoluta, sem contradições. Um sistema assim é atractivo e oferece segurança.
6. Linguagem Elaborada
Lifton (1989) explica que as seitas/cultos usam de forma abundante "chavões para acabar com o pensamento", expressões ou palavras que são forjadas para acabar a conversa ou a controvérsia. Todos conhecemos os chavões "capitalista" e "imperialista", usados por manifestantes anti-guerra nos anos sessenta do século XX. Estes chavões memorizam-se facilmente e têm um efeito imediato. Designam-se por "linguagem do não-pensamento", pois terminam a discussão, dispensando quaisquer considerações adicionais. Entre as Testemunhas de Jeová, por exemplo, expressões como "a verdade", "a sociedade", "a organização", "o escravo fiel e verdadeiro", "o corpo governante", "o novo sistema", "a nova ordem", "os apóstatas" e "os mundanos" contêm em si mesmas um julgamento dos outros, não é necessário pensar mais neles.
7. Doutrina Acima das Pessoas
A experiência humana é subordinada à doutrina, independentemente seja profunda ou contraditória tal experiência. A história da seita/culto é alterada para se ajustar à lógica doutrinal. Os líderes são os que decidem quais são os livros de história exactos e quais são os tendenciosos. O indivíduo só tem valor na medida em que se conforma aos modelos preestabelecidos pela seita/culto. As percepções do senso comum são desconsideradas, se forem hostis à ideologia da seita/culto.
8. Dispensados da Existência
A seita/culto decide quem tem o "direito" de existir e quem não tem. Eles decidem quem morrerá na batalha final do Armagedão, do "Bem" contra o "Mal", um cataclismo marcado pela violência e pela destruição, que anunciará o fim do mundo e o Dia do Juízo. Os que não pertencem à seita/culto são os "egípcios", os inimigos do Deus dos judeus. Quando estes abandonaram o Egipto, libertados por Moisés, levaram consigo os tesouros dos egípcios. Logo, não é pecado "sacar" dinheiro aos "egípcios" da actualidade, que em breve serão exterminados por Deus. As famílias podem ser destruídas e os estranhos podem ser enganados pois não merecem existir!
Depois de conseguir converter uma pessoa ao grupo, uma seita/culto procura mantê-la no mesmo de todas as formas possíveis. Para isso doutrina-o, despersonaliza-o, fanatiza-o, programa-o. O grau e o modo dependem do nível de perigosidade da seita/culto (Prieto, 1994). O adepto tem que ser sofrer manipulação (Leyens & Yzerbyt, 1999), também chamada controlo do pensamento (Myers, 1999) ou reeducação, de forma a perder o juízo crítico, ou utilizando uma linguagem do senso comum: tem que sofrer uma lavagem ao cérebro ou violação psicológica (Vernette, 2002).
A Nova Enciclopédia Larousse (1996) designa por "lavagem ao cérebro", a acção psicológica sobre uma pessoa para eliminar os seus pensamentos e reacções pessoais, através da utilização da coerção física ou psicológica. Quanto ao Dicionário ilustrado do conhecimento essencial (1996), define a lavagem ao cérebro como uma doutrinação cujo objectivo fundamental é a alteração de atitudes e crenças de uma pessoa, de forma que aceite como inquestionável um determinado ponto de vista político ou religioso. Técnicas como o isolamento, a privação de alimentos ou de sono, a hipnose, a repetição constante e até mesmo a tortura física podem ser usadas para quebrar a resistência e aumentar a dependência do sujeito à lavagem cerebral.
De facto, muitas vezes as seitas/cultos recorrem a sanções religiosas para "aprisionar" os seus adeptos. A eficácia das sanções religiosas baseia-se na crença em ideias religiosas e, também, na aceitação do poder e autoridade dos chefes religiosos. As sanções tomam diversas formas: penitências, excomunhão, perda dos méritos, ameaça da condenação eterna e da não-ressurreição, da reencarnação da alma numa forma de vida inferior, etc. (Lakatos & Marconi, 1999).
O processo de manipulação é dirigido por psicólogos especialistas que proporcionam técnicas e métodos quase irresistíveis, até mesmo para as pessoas mais fortes (Prieto, 1994). Conseguem fazer com que as pessoas acreditem que só a Bíblia deles é verdadeira, que eles é que são os sucessores dos apóstolos de Cristo, que só devem ler publicações da seita/culto, porque todas as outras são material apóstata, que só eles vão para o "Céu", etc., o que contradiz a própria Bíblia. De facto, no Novo Testamento, podemos ler: "João disse a Jesus: «Mestre, vimos um homem que expulsa demónios em Teu nome. Mas nós proibimos-lho, porque ele não nos segue». Jesus disse: «Não lho proibais, pois ninguém faz um milagre em Meu nome e depois vai dizer mal de Mim. Quem não está contra nós está a nosso favor»" (Mc 9, 38-40).
Uma fonte de irracionalidade é a nossa tendência, chamada de tendenciosidade de convicção, de nos apegarmos às nossas convicções mesmo diante de evidências em contrário. Pode ser surpreendentemente difícil mudar uma falsa convicção depois que uma pessoa tem ideias que a apoiam. Quanto mais apreciamos porque as nossas convicções podem ser verdadeiras, mais nos apegamos a elas. A tendenciosidade de convicção aplica-se até mesmo às nossas convicções sobre nós mesmos (Myers, 1999).
As seitas/cultos não só se oferecem soluções globais a uma clientela anónima, mas até a cada indivíduo em particular. Depois dos encontros de captação, das conferências, festas ou cursos, vêm os contactos pessoais, os inquéritos, por meio dos quais se investigam as condições em que vive o possível adepto, as suas esperanças, as suas frustrações, os seus interesses, os seus problemas, e a tudo isso a seita/culto dará uma resposta, seja para rectificar o mau funcionamento do casal, para solucionar problemas sexuais, problemas de toxicodependência, de alcoolismo, de tabagismo, de esgotamento, do lazer, da solidão e desespero pela morte de um ente querido. As seitas/cultos criam um clima que provoca a ligação do candidato ao grupo; para isso pratica-se o "bombardeamento de amor": é rodeado de carinho, por um acolhimento entusiasta, envolvendo-o num clima de amizade; organiza-se uma refeição gratuita, uma "festa-pesca", com prostituição nalgumas seitas/cultos, como nos Meninos de Deus. O candidato vive uma autêntica lua-de-mel. Ao mesmo tempo, vai-se cercando o candidato fascinado pela personalidade do líder, exaltando-o e apresentando-o como o salvador das suas vidas (Prieto, 1994).
Contudo, há maneiras mais subtis de manipular as pessoas. As atitudes podem ser formadas e mantidas através de vários processos:
: mas não é apenas o reforço directo ou a punição que podem influenciar atitudes. A aprendizagem vicariante, na qual uma pessoa aprende através da observação de outros, pode também contribuir para a formação da atitude (R. S. Feldman, 2001). Ao observar as condutas dos "irmãos" da seita/culto, o adepto tende a imitá-las, já que sendo estes os "eleitos", estes comportamentos agradam a Deus.: atitudes que são reforçadas, tanto verbalmente como não verbalmente, tendem a ser mantidas (R. S. Feldman, 2001). Os comportamentos dos membros de uma seita/culto, que estão de acordo com as normas do grupo, são constantemente reforçados positivamente, e os que não estão de acordo são punidos;: um dos processos básicos subjacentes à formação e ao desenvolvimento de atitudes pode ser explicado por princípios de aprendizagem (R. S. Feldman, 2001). Ivan P. Pavlov (1849-1936), médico e psicólogo russo, foi um dos grandes impulsionadores dos estudos sobre a aprendizagem e da psicologia em geral (Pestana & Páscoa, 1998). Pavlov fundou o Instituto de Medicina Experimental em 1890 e publicou Conferências sobre o Trabalho das Glândulas Digestivas em 1897. A partir de 1901, estudou a maneira como os cães em laboratório aprendiam (eram «condicionados») a salivar sem alimentos (Benson & Grove, 2000), tendo sido galardoado com o Prémio Nobel em 1904. Pavlov chegou à descoberta do reflexo condicionado a partir dos seus estudos sobre as secreções salivares e digestivas. O condicionamento clássico foi estudado por Pavlov com base no reflexo condicionado. Consiste na associação entre dois estímulos, um estímulo neutro (EN) (som) e um estímulo natural (incondicionado) (EI) (carne), que provoca uma resposta incondicionada (RI) (salivação). A repetição desta associação faz com que o estímulo neutro, apresentado isoladamente, seja capaz de provocar a resposta originalmente produzida pelo estímulo natural, isto é, o estímulo neutro passa a estímulo condicionado (EC), capaz de provocar uma resposta condicionada (RC) (Pestana & Páscoa, 1998). Os mesmos processos de condicionamento clássico que fizeram os cães de Pavlov salivarem ao som de uma campainha podem explicar como as atitudes são adquiridas. As pessoas desenvolvem associações entre os vários objectos e as reacções emocionais que as acompanham (R. S. Feldman, 2001). Associando uma doutrina, por mais absurda que pareça ser, com uma "imagem" de que os membros da seita/culto são todos "santos", isto é, que os seus comportamentos agradam a Deus e conduzem à salvação, leva as pessoas a aceitar sem questionamento essa doutrina;
O controlo do pensamento pode ser conseguido também através de uma técnica designada por estratégia do pé-na-porta. Trata-se de procedimento de influência que consiste em, através de um primeiro pedido anódino (inofensivo, sem importância), levar alguém a fazer aquilo que realmente se espera dele (Fischer, 2002). É importante salientar, que durante a Guerra da Coreia um ingrediente fundamental para o programa chinês de "controlo do pensamento" dos prisioneiros americanos era o uso eficaz do fenómeno do pé na porta – uma tendência das pessoas que concordam primeiro com um pedido pequeno de atenderem mais tarde outro maior. Assim, uma escala gradual de pedidos dos chineses era direccionada aos prisioneiros de guerra, a partir de pedidos inofensivos. Depois de "treinar" os prisioneiros a falar ou escrever declarações triviais, os comunistas pediam que copiassem ou criassem algo mais importante, como anotar talvez os defeitos do capitalismo. Em seguida, os prisioneiros participavam em discussões de grupo, escreviam autocríticas, ou faziam confissões públicas. Depois de fazerem isso, talvez para ganharem privilégios, os prisioneiros muitas vezes adequavam as suas convicções a uma coerência com os seus actos públicos. Ou seja, se induzidos a falar ou a escrever em defesa de um ponto de vista sobre o qual têm dúvidas, os sujeitos começam a acreditar nas suas próprias palavras. Dizer torna-se acreditar (Myers, 1999). Uma atitude não é algo fixo nas profundidades da nossa mente; tem mais a ver com as tendências do nosso comportamento (Leyens & Yzerbyt, 1999). Por isso, muitas seitas/cultos obrigam os seus adeptos a proferirem regularmente palestras aos restantes membros, sobre a doutrina da organização.
Por que razão esta técnica funciona?
1. Uma razão reside no envolvimento com o pequeno pedido que leva a um interesse na questão, e a tomar uma acção – qualquer acção – tornando o indivíduo mais comprometido com a questão, aumentando assim a probabilidade de adesão futura (R. S. Feldman, 2001);
2. A dissonância cognitiva ocorre quando uma pessoa mantém duas atitudes ou pensamentos (referidos como cognições) que se contradizem (Leon Festinger) (R. S. Feldman, 2001). Os indivíduos procuram manter alguma consistência entre as componentes afectivas, comportamentais e cognitivas da atitude. Quando uma delas muda, decorre daí um sentimento de inconsistência que conduz o indivíduo a tomar uma de duas opções: a) o indivíduo procura introduzir mudança nas duas componentes que se mantiveram inalteráveis, tornando-as, desta forma, consistentes com aquela que mudou; e b) o indivíduo procura alterar a componente que mudou, no sentido de a voltar a aproximar das restantes (Alcobia, 2001). Sabemos agora que a dissonância explica um determinado número de ocorrências diárias que envolvem as atitudes e o comportamento (R. S. Feldman, 2001). Segundo a Teoria da Dissonância Cognitiva, para aliviar essa tensão as pessoas muitas vezes ajustam as suas atitudes às acções. É como se as pessoas racionalizassem: "Se eu opto por fazer (ou dizer) isso, devo acreditar". Quanto menos coagidos e mais responsáveis nos sentimos por um acto desconcertante, mais dissonância experimentamos. Quanto mais dissonância temos, mais motivados somos a encontrar coerência, mudando por exemplo as nossas atitudes para ajudar a justificar o acto (Myers, 1999);
3. Outra explicação gira à volta das autopercepções das pessoas. Cedendo ao pedido inicial, os indivíduos podem ver-se a eles próprios como o tipo de pessoa que proporciona ajuda quando lhes é pedido. Assim, quando confrontados com um pedido maior, acabam por concordar, por forma a manter o tipo de consistência de atitudes e de comportamentos que descrevemos anteriormente (R. S. Feldman, 2001).
Na opinião de Leyens e Yzerbyt (1999), esta estratégia do pé-na-porta explica em grande parte a eficácia de algumas práticas de recrutamento pelas seitas/cultos. Não é difícil aceitar perder algum tempo a preencher um questionário para descobrir os pontos fracos da "personalidade". O drama começa quando esta primeira decisão, quase automática, faz apelo a uma reacção mais exigente, depois a outra, etc. Como todas as outras técnicas, também as que respeitam à manipulação podem ser postas ao serviço de bons ou de maus objectivos. Podem ser utilizadas para aumentarem as dádivas de sangue ou para nos vigarizar na nossa ingenuidade.
As seitas/cultos alienam as pessoas por pressão moral e condicionamento psicológico que não respeita a liberdade de decisão, uma pressão particularmente nociva quando se trata de jovens durante o frágil período de estruturação do eu. Por exemplo: multiplicação das reuniões e das sessões consagradas ao estudo dos documentos do grupo ou do seu chefe, culpabilização face ao passado, medo do futuro, envolvimento afectivo, proposta de sessões isoladas, boas para o "martelar ideológico", abdicação da decisão pessoal entre as mãos do Mestre (Vernette, 2002). O mundo vai "acabar" em breve, pelo que as actividades que o adepto da seita/culto tem que realizar são inúmeras: pregação, assistir a várias reuniões por semana, cultos, confraternizações aos fins-de-semana, etc. A pessoa não tem sequer tempo para pensar, e é isto que se pretende.
As seitas/cultos levam a pessoa a fechar-se no grupo e nas suas conclusões quando ele pretende ser auto-suficiente e quando é exigida a ruptura com o meio social e a família nas relações que não sejam as destinadas a convertê-los (Vernette, 2002). Em determinadas seitas/cultos, se uma pessoa é expulsa, os restantes membros da família devem desprezá-lo. Se não conseguirem converter o cônjuge, devem pedir o divórcio. Há numerosos casais separados por "incompatibilidade religiosa", porque as seitas (ou cultos) exigem a conversão do cônjuge ou a ruptura, para que o adepto se consagre à organização de corpo e alma. Acrescente-se que há incontáveis famílias em conflito porque o marido e pai deixou de trabalhar para se consagrar ao proselitismo exigido pelo grupo, com o qual veio mais tarde a desentender-se, ou acabou por ser abandonado porque a seita (ou culto) mudou planos e pessoas (Prieto, 1994).
As seitas/cultos cristãs(ãos) manipulam também a Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada, para apoiar a doutrina do movimento, à custa de simplificações abusivas (e.g., levar a Bíblia a dizer em que data vai dar-se o fim do mundo) (Vernette, 2002).
Cialdini, Wissler, e Schweitzer (2002), apresentam seis princípios da influência social efectiva, que também podem ajudar a explicar este fenómeno de adesão a seitas/cultos. Estes princípios, são os seguintes:
: as pessoas geralmente decidem o que fazer olhando para o que os outros fazem. Quando determinados comportamentos, mesmo aberrantes, como deixar morrer a própria mãe, são aprovados e incitados pela seita/culto, todo o adepto tende a reproduzi-lo.: as pessoas devolvem o que os outros lhes deram. Como as seitas/cultos tratam os seus adeptos como membros da sua "família", como "irmãos", estes tendem a retribuir toda a lealdade, mesmo que a seita/culto seja uma fraude;: as pessoas têm um forte desejo de ser consistentes com as suas opiniões prévias, afirmações e acções. Como já vimos anteriormente, mesmo perante evidências objectivas de que a doutrina do grupo religioso é falsa, o adepto recusa-se a aceitar que tal possa ser possível;: os itens e oportunidades tornam-se mais desejáveis quanto menos acessíveis. Quanto menos forem os "eleitos" destinados por Deus ao Paraíso, mais o adepto tem que empenhar-se em cumprir todas as normas do grupo religioso, que podem incluir donativos pecuniários. Por exemplo, na seita Testemunhas de Jeová, só 144 000 vão para o Ceú, nem mais um;: as pessoas são mais facilmente influenciadas por aqueles que percepcionam como sendo autoridades legítimas. Os líderes das seitas/cultos esforçam-se por demonstrar que são os representantes de Deus na Terra. Eles são os "ungidos" pelo Espírito Santo;: as pessoas são mais facilmente influenciadas por aqueles de quem gostam. Por isso, os pregadores são sempre muito amáveis, prestáveis, sorridentes, etc.;
Durkheim (citado por Lakatos & Marconi, 1999) considera a existência em cada indivíduo, de duas consciências: a colectiva e a individual; a primeira, predominante, compartilhará com o grupo; a segunda, peculiar ao indivíduo. Por «consciência colectiva» entende-se a soma de crenças e sentimentos comuns à média dos membros da comunidade, formando um sistema autónomo, i.e., uma realidade distinta que persiste no tempo e une as gerações. Envolve quase que completamente a mentalidade e a moralidade do indivíduo: o homem "primitivo" pensa, sente e age conforme determina ou prescreve o grupo a que pertence. Este facto pode ajudar a explicar a recusa de muitos adeptos de seitas/cultos abandonarem o grupo, mesmo perante evidências objectivas de que as "curas milagrosas" que realizam são uma fraude, etc.
Adesão
A influência social é a forma de interacção social, que através da pressão de uma pessoa pode modificar o comportamento, as atitudes, as opiniões (Fischer, 2002) ou os julgamentos de uma outra pessoa, podendo, no entanto, este outro ser apenas imaginado, pressuposto ou antecipado (Passos, 2001). Influenciar é a habilidade para afectar as decisões e acções de outrem, a despeito de qualquer autoridade para isso. A autoridade tem origem na categoria; a influência repousa em grande parte nos atributos pessoais. A autoridade baseia-se no status que a pessoa tem; a influência é baseada na estima que uma pessoa recebe (Horton & Hunt, 1980).
Em 1955, Deutsch e Gerard (citados por Garcia-Marques, 2002) distinguiram dois tipos de influência social:
A influência (ou dependência) social informativa/informacional: inspirada na teoria de Leon Festinger (publicada em 1954), abrange as situações em que o comportamento dos outros indivíduos, em relação a um estímulo, pode servir para a apreensão das suas qualidades ou, dizendo de outro modo, às situações em que o comportamento dos outros é aceite como prova de verdade;
A influência (ou dependência) social normativa: refere-se às situações em que a susceptibilidade de um indivíduo à influência de um grupo se explica pelo desejo de evitar a sua rejeição por esse mesmo grupo. Rejeição que é mais provável para aqueles que não se conciliam com as expectativas ou normas de um grupo (Garcia-Marques, 2002).
Em suma, a dependência informativa refere-se ao facto de se ter em conta as opiniões dos outros na percepção da realidade. A dependência normativa, por sua vez, é a influência que tem a ver com a procura de aprovação social (Leyens & Yzerbyt, 1999). No entanto, a distinção entre influência informativa e normativa não pode ser considerada como definindo duas categorias mutuamente exclusivas de influência (Garcia-Marques, 2002).
Os fenómenos mais importantes que têm vindo a ser estudados ao nível da influência social, são: (1) o conformismo ou influência da maioria; (2) a influência da autoridade (também chamada submissão à autoridade ou obediência) (Passos, 2001); (3) a submissão livremente consentida (Fischer, 2002) ou adesão (R. S. Feldman, 2001); e, (4) a inovação ou influência da minoria (Passos, 2001).
Quando discutimos o conformismo, normalmente referimo-nos a um fenómeno no qual a pressão social é subtil ou indirecta. Mas em algumas situações a pressão social é muito mais óbvia, e existe uma pressão directa, explícita, sobre um determinado ponto de vista ou sobre um comportamento específico. Os psicólogos sociais chamam ao tipo de comportamento que ocorre em resposta a uma pressão social directa: adesão (R. S. Feldman, 2001) ou submissão livremente consentida. Trata-se de um tipo de influência que consiste em levar alguém a comportar-se de maneira diferente do que lhe é habitual, manipulando-a de tal maneira que essa pessoa tem a sensação de fazer livremente o que lhe é solicitado (Fischer, 2002).
Podemos considerar duas formas de propaganda com o objectivo de provocar a conversão (adesão) das pessoas a seitas/cultos: (1) o cara-a-cara ou de cara descoberta e (2) recorrendo a meios de comunicação de massas.
O cara-a-cara é levado a cabo com as pessoas do ambiente familiar, do grupo de amigos, das pessoas de confiança, dos companheiros de trabalho. Alguns grupos fazem proselitismo porta a porta. Neste caso, dois membros da seita/culto treinados para o efeito, dirigem-se a uma pessoa isolada, para mais facilmente ser convencida. Contudo, o proselitismo sectário realiza-se sobretudo de forma encoberta. Com frequência, a partir de entidades de fachada que não são facilmente associáveis à seita: entidades culturais, promocionais, científicas. O proselitista é como um promotor de uma empresa, como o vendedor de um produto: o que importa é abrir novos "mercados", isto é, colocá-lo (Prieto, 1994). Um ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, Mário Justino, escreve: "...logo entendi que duas qualidades são essenciais para ser um pastor de sucesso na Igreja Universal. A primeira é ter a capacidade de canalizar ofertas expressivas. A segunda é saber entreter o povo e segurá-lo nas «correntes»" (Justino, 1995, p. 41). " Nenhuma outra passagem da Bíblia é tão exaltada e divulgada na Igreja Universal quanto o «Trazei todos os dízimos e ofertas», de Malaquias (3, 10)... Bem-aventurado era o pastor que dominava a arte de fazer com que as pessoas abrissem os seus bolsos ou assinassem cheques a fundo perdido" (Justino, 1995, p. 42). Assim, a amabilidade, o "sorriso de pasta de dentes", as maneiras educadas e conquistadoras não nascem do coração, são apenas um meio de propaganda, muitas vezes para extorquir dinheiro aos crentes (Prieto, 1994).
Porém, as acções de algumas seitas/cultos dirigem-se ao conjunto de uma colectividade ou a uma «massa». Entende-se por meios de comunicação de massas o conjunto de técnicas de difusão colectiva que permitem chegar a uma grande audiência. Os principais meios de comunicação de massas são a imprensa, o cinema, a rádio, a televisão, o livro, o disco, o cartaz e a Internet (Fischer, 2002). A teoria da exposição simples é isso que diz: uma maneira muito simples de modificar as atitudes das pessoas e fazê-las aderir a uma causa, consiste em apresentar-lhes repetidamente o estímulo (Leyens & Yzerbyt, 1999).
As seitas/cultos são hoje um produto de massas, de consumo do supermercado espiritual, e para a sua venda utilizam-se as técnicas de marketing mais modernas, para chegar à possível clientela. É comum encontrar nas ruas das cidades e vilas de países ocidentais, cartazes anunciando cursos de meditação, de relaxamento mental, de cura do stresse, conferências gratuitas sobre temas muito interessantes, como são a arqueologia, a egiptologia, o esoterismo e a filosofia. E quem iria associá-los a uma seita/culto religiosa(o)? Recorre-se a cursos e actividades que despertam o interesse e que abrem o caminho ao contacto, à relação e à sub-reptícia iniciação psicológica na vida da seita/culto. Alguns dos slogans, são: "Tens conflitos matrimoniais? Consulta-nos"; "Deixa as drogas já"; "Se tiveres problemas com o álcool, chama-nos; não esperes por ficar pior"; "Aproxima-te do calor da amizade" (Prieto, 1994).
O que menos importa é a causa; o que mais interessa a estes grupos religiosos é procurar um motivo para meter conversa: para isso, qualquer pretexto é bom. Todas as actividades preliminares, aparentemente neutras sob um ponto de vista religioso, dão a oportunidade de criar laços e de possibilitar encontros posteriores. O interesse "desinteressado" por ajudar as pessoas, por solucionar os seus problemas, por melhorar a sua vida, cria vínculos de afecto com quem lhes estendeu a mão. Estes, por sua vez, procuram estreitar o seu laço afectivo de diversas maneiras, por exemplo, pela insistência telefónica, para que o possível adepto não se afaste com o tempo e a distância. Quem é geralmente atraído por tais medidas desconhece, em primeiro lugar, que esta aproximação foi anteriormente preparada; em segundo lugar, ignora a natureza da conversão manipulada e dos métodos de formação (manipulação social e psicológica) a que é submetido (Prieto, 1994).
Na sociedade moderna, as técnicas de comunicação de massa, tornaram-se um importante agente de socialização dos adultos, tanto como dos jovens (Rocher, 1999). Socialização é o processo pelo qual um indivíduo aprende e interioriza as regras e normas (maneiras padronizadas e esperadas de sentir e de agir) da sociedade. Os psicólogos sociais consideram-no como resultado de pressões sociais para o conformismo (N. Sprinthall & R. Sprinthall, 1993).
Parte da função socializadora exercida através das técnicas de comunicação de massa é explicitamente procurada, por exemplo, o caso das emissões educativas e de informação na rádio e na televisão, dos impressos e dos filmes de carácter didáctico, etc. Mas na maior parte das vezes, é de uma forma indirecta que estas novas técnicas são socializadoras, sobretudo quando se dirigem ao espectador para o divertir, para o distrair, para lhe «fazer esquecer o resto». As técnicas de comunicação de massa sugerem, propõem, exprimem modelos, valores, ideais que podem impor-se com tanto mais força e persuasão quanto se apresentam num contexto dramático ou emotivo que contribui para inibir o juízo crítico (Rocher, 1999). Juízo crítico refere-se ao processo de formação de uma opinião ou conclusão baseada em informação acerca de uma situação e, idealmente, chegar a uma conclusão que pondera e reconhece adequadamente os elementos importantes do tema. O juízo crítico é um fenómeno subjectivo. É afectado pelo intelecto, pela quantidade ou qualidade da informação disponível acerca de uma decisão particular a ser tomada, personalidade, experiências passadas, humor, sentimentos, capacidades cognitivas, factores culturais/subculturais e sociais e quaisquer factores extrínsecos que afectem os possíveis resultados da decisão (e.g., coerção). O juízo crítico é também afectado pelo insight (capacidade de estar ciente dos significados subtis dos pensamentos, ideias e sentimentos, particularmente em relação ao próprio) e pela capacidade de usar o pensamento abstracto (Trzepacz & Baker, 2001).
Estas observações fazem pensar infalivelmente no que se passa em algumas seitas/cultos (Leyens & Yzerbit, 1999). O apelo ao emocional, chave para o acto de conversão no evangelicalismo, é também um dos pontos fortes do proselitismo no processo ulterior de formação, particularmente das comunidades cristãs pentecostais (Galindo, 1994). Um adormecimento subtil da esfera intelectual e uma radical alteração das referências afectivas, leva a pessoa a realizar, ela própria, o ajustamento cognitivo necessário em proveito da mensagem sectária (Leyens & Yzerbit, 1999).
Mário Justino, ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, escreve: "Os cultos eram feitos com gritos frenéticos dos apresentadores e a participação activa da plateia. Esse espectáculo espiritual é dividido em duas partes e chega ao clímax quando são realizados os exorcismos. Nesse momento, pessoas aos gritos começam a rolar pelo chão e jogar para cima os bancos da igreja. Algumas chegam a entrar em luta corporal com os pastores e obreiros. Aos que vinham pela primeira vez, explicávamos que aquelas pessoas estavam possuídas por demónios e ensinávamos que eram esses espíritos malignos a fonte de mazelas como desemprego, problemas financeiros e amorosos. Dizíamos também que as doenças eram sinais físicos dessa possessão demoníaca e, uma vez que estes espíritos eram expulsos, as pessoas ficavam curadas de toda a sorte de enfermidades. Geralmente entrevistávamos os endemoniados e, para mostrar ao respeitável público que tínhamos poder sobre eles, fazíamos com que essas pessoas andassem de joelhos ao redor da igreja, ou batessem a cabeça nos nossos pés, ou latissem ou ainda que imitassem galinhas, porcos e outros animais. Isso dependia da imaginação de cada pastor. Depois dos exorcismos, enquanto o povo explodia em aplausos e gritos de júbilo, do alto do púlpito nós agradecíamos os louvores. Mesmo sabendo que aqueles «demónios» nada mais eram do que pessoas em busca de alguma atenção ou sofrendo de seríssimas crises emocionais, nossa atitude era indefectível" (Justino, 1995, p. 41-42).
O pentecostalismo foi iniciado em 1901 por um pastor metodista, Charles Parham, nos EUA. Sentindo-se inspirado, Parham afirmou ter recebido o baptismo do Espírito Santo. Daí o nome de pentecostalismo, o novo Pentecostes (Sasaki, 1995). Sociologicamente fala-se de pentecostalismo como da "religião dos pobres". Com isso alude-se não só às pessoas que o iniciaram mas também ao facto de que entre os pobres a fé cristã costuma ser entendida e vivida de maneira diferente da das classes acomodadas. Os pobres não possuem livros, e mesmo que os tivessem não disporiam de tempo e de preparação para estudá-los. Isso leva a uma religião que dá pouca importância ao factor intelectual e muita ao emocional, aos sentimentos, concentrando-se na vivência religiosa em torno dos problemas da vida diária. O pentecostalismo representa esse tipo de cristianismo desinteressado da doutrina e centrado no emocional, na vivência do sobrenatural. Por isso são tão importantes nele, os milagres, os sinais como o falar em línguas (glossolalia), as curas, os exorcismos. Em tudo isso descobre-se a força da fé, capaz de vencer o demónio, e a presença real do Espírito Santo, tanto no indivíduo como na comunidade (Galindo, 1994).
O termo neopentecostalismo refere-se às igrejas pentecostais que usam ainda mais a propaganda pela rádio e pela televisão para atrair fiéis, como por exemplo, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a Igreja Maná, a Igreja Evangélica Pentecostal Deus é Amor, etc. São chamadas, por isso, de igrejas electrónicas. De intenso sentimentalismo, voltam-se para a cura e a expulsão de demónios, e prometem sucesso material, conquistando cada vez mais crentes (Sasaki, 1995). Os programas ou "shows" dos pregadores são uma mescla de doutrinas fundamentalistas, música religiosa leve, debates, profecias escatológicas, testemunhos de pessoas renascidas e propaganda política em torno dos temas da Nova Direita Cristã (NDC). Nas variantes pentecostais oferecem-se também curas milagrosas, glossolalia (falar em línguas) ordens às forças naturais e outros "dons do Espírito Santo". Parte essencial (pelo menos 10% do tempo de emissão) é o incentivo directo aos telespectadores para que contribuam com fundos para a obra. Para isso inventaram-se as mais refinadas técnicas (Galindo, 1994).
Comunicação Persuasiva
Num enunciado simples, comunicação é o acto ou efeito de comunicar, de transmitir alguma coisa a alguém, de estabelecer uma relação com outrem (Nova Enciclopédia Larousse, 1996). Ou seja, comunicação pode ser concebida como a troca de informação entre um emissor e um receptor/audiência, e a inferência (percepção) de significado entre as pessoas envolvidas no processo. Trata-se de um processo nos dois sentidos, em torno do qual o emissor e o receptor criam significados nas suas próprias mentes. No entanto, o significado formado pelo receptor pode não coincidir necessariamente com aquele que o emissor conferiu à sua mensagem ou acto comunicacional (M. P. Cunha, Rego, R. C. Cunha, & Cabral-Cardoso, 2003).
Para a Psicologia Social, a comunicação constitui uma das modalidades fundamentais da conduta humana: os indivíduos não só são influenciados pelos contextos sociais face aos quais reagem, como estão em permanente interacção com outras pessoas, caracterizadas como interlocutores. Porém, os estudos sobre comunicação cobrem um campo relativamente vasto que tem sido abordado a partir de diversos ângulos, por modelos que vão da teoria da informação, da semântica e da linguística, passando pelo estudo experimental de redes em pequenos grupos, a análises sobre comunicação de massas (Fischer, 2002).
Qualquer sistema/esquema de comunicação, definido como um processo de transmissão de informação, funciona da maneira seguinte: uma fonte de informação (e.g., uma pessoa, grupo ou instituição) escolhe a mensagem desejada (e.g., palavras faladas) de entre as mensagens possíveis; um emissor (e.g., as variações de tensão das cordas vocais de uma pessoa) transforma esta mensagem num sinal que é então enviado pelo canal de comunicação (e.g., o ar, as ondas hertzianas) ao receptor (e.g., outra pessoa). É necessário um repertório de signos ou elementos comuns, que o emissor e o receptor utilizam quer para construir uma mensagem, quer para identificar a natureza da mesma. No decurso do processo, certos elementos não pretendidos pela fonte podem, no interior do canal de comunicação, vir a alterar o sinal; são os ruídos. Por fim, um feedback designa o processo de retorno de informação do receptor para o emissor na sequência de uma mensagem que lhe foi transmitida (Fischer, 2002; Nova Enciclopédia Larousse, 1996).
De acordo com M. P. Cunha et al. (2003), podemos considerar quatro elementos básicos da comunicação (intencional): os objectivos do emissor; os atributos da mensagem; a escolha do canal; e as características do receptor (ver Quadro 1).
Quadro 1
Os quatro elementos básicos da comunicação – algumas possíveis características
Objectivos do emissor |
Atributos da mensagem |
Escolha do canal |
Características do receptor |
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Retirado de M. P. Cunha, Rego, R. C. Cunha, e Cabral-Cardoso (2003)
Persuadir os destinatários pode ser um objectivo possível da comunicação, se a forma e a organização da mensagem forem adequadas aos factores pessoais que o destinatário activa quando interpreta a própria mensagem (Wolf, 2003).
A propaganda inclui todos os esforços para persuadir as pessoas de um ponto de vista sobre um assunto qualquer (Horton & Hunt, 1980). As seitas e cultos tentam transmitir a sua mensagem, e fazem-no por todas as maneiras possíveis. As formas e os meios de proselitismo destas entidades são muito variados e coincidem, em grande parte, com os modos de angariar fundos (Prieto, 1994).
Segundo Alcobia (2001), a investigação identificou quatro factores que influenciam a eficácia dos processos de persuasão:
1. Fonte da mensagem: o indivíduo que envia uma mensagem persuasiva, conhecida como o comunicador da atitude, tem um grande impacto na eficácia dessa mensagem. Os comunicadores que são atractivos tanto fisicamente como socialmente parecem produzir uma maior mudança de atitude. Além disso, a perícia e a idoneidade de um comunicador estão relacionadas com o impacto de uma mensagem – excepto nas situações em que se acredita que o comunicador tenha segundas intenções (R. S. Feldman, 2001). Quanto mais credível for uma fonte, maior influência terá no receptor da mensagem. Porém, há que considerar os motivos que originam a mensagem, pois se estes forem de natureza duvidosa, os resultados poderão ser bem diferentes face aos esperados (Alcobia, 2001);
2. Características/natureza da mensagem: também o conteúdo da mensagem afecta a mudança da atitude e de comportamento. Argumentos unilaterais – nos quais apenas a perspectiva do comunicador está presente – são provavelmente melhores se a mensagem veiculada pelo comunicador for inicialmente vista de forma favorável pelo alvo da mensagem. Mas se um alvo recebe uma mensagem apresentando um ponto de vista pouco comum, as mensagens bilaterais – que incluem tanto a perspectiva do comunicador como aquela que está a contra-argumentar – são mais eficazes, provavelmente porque são vistas como mais precisas e sérias. Adicionalmente, as mensagens produtoras de medo são geralmente eficazes, embora nem sempre (se o medo provocado é demasiado forte) (R. S. Feldman, 2001). A natureza da mensagem pode contribuir – ou não – para o reforço da credibilidade da mensagem. Quanto mais clara e objectiva for a mensagem maior credibilidade terá para o receptor (Alcobia, 2001);
3. Características do alvo/receptores: os receptores diferem na sua forma de percepcionar e interpretar as mensagens (Alcobia, 2001). Depois da mensagem ter sido comunicada, as características do alvo da mensagem determinam se esta é ou não aceite. Embora a questão tenha ainda de ser resolvida, a maioria da investigação sugere que pessoas com um nível de inteligência superior são mais resistentes à persuasão do que pessoas com um nível de inteligência inferior. Parecem existir diferenças na persuasão, quanto ao género. As mulheres são de alguma forma mais fáceis de persuadir do que os homens, particularmente quanto detêm menor conhecimento do tópico da mensagem. No entanto, a magnitude das diferenças entre homens e mulheres não é elevada (R. S. Feldman, 2001). Os indivíduos com uma auto-estima baixa são mais facilmente persuadíveis, comparativamente aos que assumem posições atitudinais extremas, sendo que estes mostram níveis maiores de resistência à mudança (McGinnies, citado por Alcobia, 2001). Os anunciantes também podem ter em consideração nos seus anúncios características básicas, tais como: idade-alvo, raça, etnia, religião, rendimento e estado civil, utilizando dados psicográficos. Um outro factor que claramente sublinha se os alvos serão receptivos a mensagens persuasivas relaciona-se com o tipo de processamento de informação que adoptam (R. S. Feldman, 2001). Chaiken (citado por Lima) e Petty e Cacioppo (citados por Lima) vêm propor uma nova forma de abordar o processo de persuasão, obrigando a uma re-leitura da investigação anteriormente produzida. A ideia básica e comum a estes dois grupos de autores é que a persuasão nem sempre é o resultado de um longo caminho cognitivo, esforçado e racional, isto é, nem sempre mudamos de opinião por termos ouvido com atenção os argumentos que nos são dados, verificarmos a sua validade, aceitarmos a posição, e retendo a mudança. Muitas vezes somos persuadidos porque a pessoa que nos está a tentar influenciar é bonita, parece-nos honesta, é persistente, o tema não nos interessa assim muito, etc. Nestas situações, não nos damos ao trabalho de elaborar cognitivamente as mensagens e, em vez de percorrermos todo o percurso cognitivo desde a atenção até à aceitação, optamos por um atalho que nos evita a fase da compreensão e elaboração da mensagem, e nos leva directamente para a aceitação.
Analisemos estes dois modelos de persuasão:
Existirá diferença entre os dois modelos? O modelo da probabilidade de elaboração de Petty e Cacioppo define dois tipos de processamento da informação: o processamento central e o processamento periférico, que em grande parte se sobrepõem aos dois tipos propostos pelo modelo heurístico-sistemático de Chaiken. A grande diferença entre os dois modelos prende-se com o carácter automático do pensamento menos elaborado cognitivamente: enquanto o modelo heurístico-sistemático pressupõe a activação automática das heurísticas, a teoria da probabilidade da elaboração apenas salienta que a via periférica para a persuasão recorre a uma menor elaboração cognitiva das mensagens, sem recorrer (mas também sem excluir) ao processamento automático. O conceito fundamental neste modelo é, então, o de elaboração, isto é, o grau em que a pessoa pensa nos argumentos relevantes existentes na mensagem. Deste modo, a via central de processamento que implica uma elevada elaboração da mensagem pressupõe que a pessoa avalie a informação relevante sobre o objecto, de acordo com o conhecimento que já possui dele, e chegue, de forma ponderada mas não necessariamente objectiva, a uma atitude que integre a informação obtida. A via periférica, implicando uma menor elaboração cognitiva, vai minimizar a informação escrutinada, e a mudança de atitudes dá-se com base em processos cognitivos que exijam fraca elaboração (Lima, 2002).
Relativamente às consequências destas duas formas de processamento para a mudança de atitudes, a pesquisa tem mostrado sistematicamente que as atitudes formadas ou mudadas utilizando um processamento sistemático são mais estáveis, resistentes à mudança e à contra-argumentação e mais consistentemente ligadas ao comportamento. Pelo contrário, atitudes formadas com base numa elaboração cognitiva fraca, através da utilização de heurísticas ou de atributos periféricos à argumentação seriam mais instáveis e menos associadas aos comportamentos, porque o seu processo de elaboração foi muito menos complexo (Lima, 2002).
4. Efeito boomerang: caracteriza-se por um fenómeno que conduz à mudança de atitude, mas oposta àquela que se desejaria para o indivíduo. Muitas pessoas não apreciam a manipulação, pelo que quando sentem que estão a ser manipuladas, podem adoptar posições que conduzirão a resultados finais claramente opostos aos objectivos da fonte da mensagem (Alcobia, 2001).
O Processo de Adesão a uma Seita ou Culto
O acto de conversão, com o qual o fundamentalismo começa a conquista do indivíduo, não se concebe como mero abandono externo de uma religião para se passar para outra, mas é todo um processo psicológico que implica a desmontagem de uma ideologia e sua substituição por outra. No contexto religioso fundamentalista, é um processo que se realiza em várias etapas consecutivas que começa sobretudo pela pregação (Galindo, 1994). Enquanto uma igreja realiza a missionação, as seitas e cultos realizam o proselitismo. O missionário deve preocupar-se com a salvação do homem, da pessoa. O objectivo do proselitista é engrandecer e fazer crescer a instituição: a seita ou culto (Prieto, 1994).
Ou seja, uma seita/culto quer angariar adeptos, isto é, quer que as pessoas adiram a esse grupo religioso. Para provocar a adesão das pessoas tem que as converter, ou seja, tem que as persuadir de que só através deles serão salvas. Finalmente, tem que as manipular, controlar o seu pensamento, de forma a que elas não abandonem o grupo, seja porque estejam convencidos de que só assim serão salvas, seja para as explorar economicamente.
Atitudes e Persuasão
O conceito mais importante da Psicologia Social tem sido o de atitude (Myers, 1999). As atitudes fascinam os psicólogos sociais. Para alguns, elas constituem o principal objecto da disciplina. Mas, na realidade, o que é uma atitude? Existem centenas de definições na literatura (Leyens & Yzerbyt, 1999); algumas das mais aceites, são:
É uma predisposição aprendida para responder de forma favorável ou desfavorável a uma pessoa particular, comportamento, crença ou coisa (R. S. Feldman, 2001);
É uma representação mental que condensa a nossa avaliação sobre um objecto. Na medida em que corresponde a uma avaliação, uma atitude pode, portanto, ser positiva, neutra, ou negativa. Também varia em intensidade, indo de uma tímida tomada de posição até às reacções mais violentas. As pessoas têm atitudes a propósito de imensas coisas. Pode ser sobre outras pessoas, como o seu melhor amigo, um colega de trabalho ou o Primeiro-ministro do país. Também podem ser objectos muito concretos, como um automóvel, um relatório de fim de curso ou um cozinhado. Enfim, por vezes, algumas atitudes respeitam a conceitos abstractos como a solidariedade, a economia de mercado ou a democracia (Leyens & Yzerbyt, 1999).
Ou seja, os psicólogos sociais geralmente consideram as atitudes segundo o modelo ABC, o qual sugere que uma atitude é constituída por 3 componentes (R. S. Feldman, 2001), i.e., pode dividir-se em 3 aspectos:
Cognitivo – as crenças (factuais e neutras) e pensamentos que mantemos sobre o objecto da nossa atitude, por exemplo, «Fumar é uma grande causa de cancro»;
Afectivo/Emocional – os sentimentos e emoções positivas ou negativas sobre alguma coisa, por exemplo, «Odeio o cheiro dos cigarros»;
A atitude é um constructo teórico e, como tal, só pode ser estudado a partir dos comportamentos e respostas manifestas que indiciam avaliações positivas ou negativas (Pestana & Páscoa, 1998).
O processo de mudar atitudes das pessoas designa-se por persuasão (R. S. Feldman, 2001). As situações de persuasão baseiam-se no facto de ser possível modificar o comportamento das pessoas, na medida em que se consiga mudar as suas atitudes. É isso mesmo que está em jogo: mudar as atitudes permite modificar o comportamento. Para se conseguir impor uma transformação, o comportamento tem que se demarcar claramente das atitudes prévias (Leyens & Yzerbyt, 1999).
Dado que os grupos cristãos evangélicos consideram a igreja (congregação local) antes de tudo como um corpo activo, o princípio básico do proselitismo é a persuasão do indivíduo. A opção pela nova fé deve ser fruto de convicção e decisão pessoal e manifestar-se através da participação activa no trabalho "missionário". A evangelização, obra de todos, é entendida como actividade voltada para ganhar o maior número possível de almas para Cristo, persuadindo-se os indivíduos à conversão. O objectivo central é o crescimento numérico da seita/culto (Galindo, 1994).
A presença de temas religioso-espirituais em consultas de Psicologia e de Psiquiatria, vem reforçar a pertinência da realização de estudos sobre a problemática da adesão e manipulação (controlo do pensamento) em seitas e cultos apocalípticos.
De acordo com o DSM-IV (American Psychiatric Association, 1996), a categoria Z71.8 Problema Religioso ou Espiritual deve ser usada quando o foco de atenção é um problema religioso ou espiritual. No DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 2002), esta categoria passou a ter o código V62.89. Exemplos incluem: experiências negativas que implicam perda ou questionamento da fé, problemas associados com conversão a uma nova religião, questionamento acerca dos valores espirituais que podem não estar necessariamente relacionados com uma igreja organizada ou instituição religiosa.
Os problemas religiosos têm recebido muito mais atenção que os problemas espirituais na literatura clínica e de investigação. Nos Estados Unidos da América, há cerca de uma dúzia de revistas dedicadas ao aconselhamento pastoral e um número maior à "Psiquiatria cristã". Adicionalmente, há organizações profissionais e conferências que se debruçam sobre problemas religiosos. Os exemplos mais comuns de problemas religiosos descritos na literatura clínica, são: a perda ou questionamento da fé, mudança na denominação do movimento religioso ou conversão a uma nova religião, intensificação das crenças e práticas religiosas, e juntar-se ou envolver-se com um novo movimento religioso ou culto (Lukoff et al., 1996).
Segundo Scharfetter (1999), o conteúdo e os temas das crises devem diferenciar-se em: (1) temas profanos; (2) temas existenciais; e, (3) temas religioso-espirituais. Nos temas e conteúdos religioso-espirituais, o que está em causa são questões de fé; de redenção no desenvolvimento da consciência, para além da consciência do dia-a-dia; e finalmente como ponto culminante da espiritualidade: de mística.
Para além disso, entre os membros destas organizações ocorrem muitos suicídios. As seitas/cultos atribuem-nos a estados depressivos, mas esses estados podem ter origem precisamente na angústia injectada por essas organizações. Para além disso, os adeptos que deixam as seitas/cultos destruidores sofrem, frequentemente, da síndroma de Estocolmo, desejando voltar para a organização, como se tivessem ficado dependentes da mesma, do "agressor". Não faltam também pessoas desamparadas por terem sido enganadas e espoliadas dos seus bens materiais, e depois não quiseram saber delas quando tiveram necessidade (Prieto, 1994).
Salarrullana (citada por Prieto, 1994), promotora da Comissão Parlamentar Espanhola para o Estudo das Seitas, descreve as sequelas da pertença a organizações religiosas destruidoras: raciocínio escasso ou nulo; instabilidade emocional, passando quase sem transição de estados de euforia a estados de depressão; perda de livre-arbítrio; diminuição da capacidade intelectual, do vocabulário e do sentido do humor; respondem automaticamente às perguntas que lhe são dirigidas; parecem robots programados para uma única resposta: a "cassete" que escreveram no seu cérebro; tendências neuróticas, psicóticas ou suicidas; alucinações, pânico, confusão mental, desdobramento da pessoa e paranóia. Tudo isso constitui o conjunto de sintomas do Síndrome Dissociativo Atípico. Para que muitos dos ex-adeptos destas organizações possam recuperar a saúde mental e a integração social precisam da colaboração de desprogramadores que os ajudem a sair do "círculo infernal fechado" em que se meteram (Prieto, 1994).
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