Em todo o lugar da civilização ocidental podemos descobrir grupos religiosos de pessoas fanáticas que querem salvar a humanidade de qualquer modo, geralmente designados por «seitas» e «cultos» apocalípticos (Gozzi, 1989). Para estas pessoas, a vida tornou-se tão insuportável que o poder divino deve irromper num futuro próximo e pôr fim ao mundo. Uma conciliação entre Deus e o Homem é impossível, e a única saída é Deus criar “um novo Céu e uma nova Terra”. Surgem, assim, os movimentos religiosos de tipo apocalíptico, que anunciam a eminência da catástrofe final, com a qual o mundo actual, totalmente perverso, será substituído por outro absolutamente bom, habitado somente pelos “eleitos” da seita/culto. Tais movimentos apocalípticos ocorreram e ocorrem no judaísmo e no cristianismo até aos nossos dias e apresentam diversas modalidades (Galindo, 1994). Para estes grupos, a única maneira de salvar a humanidade deste mundo corrupto e de pecado é entrar para o grupo deles. Para além disso, eles oferecem bênçãos de cura para todas as doenças, emprego, solução de casos de amor, expulsão de demónios que rondam os nossos passos, e até a volta de pessoas falecidas que vêm consolar os parentes inconformados, dizendo que do lado de lá está tudo bem (Gozzi, 1989).
Aquilo que mais impressiona no fenómeno das seitas (e cultos) é a multidão que a eles adere (Gozzi, 1989). Estamos perante um fenómeno social, pois as seitas (e cultos) não são um fenómeno casual ou uma moda passageira. Há uma afirmação na qual coincidem todos os documentos oficiais, tanto civis, como eclesiais: todos os sectários, sem excepção, desenvolvem uma grande agressividade proselitista. Enquanto nas igrejas e religiões tradicionais os crentes se contentam com “crer”, os sectários, são multiplicadores da organização. Trata-se de uma “invasão” cuidadosamente programada, recorrendo às mais modernas técnicas de persuasão e de manipulação mental. Segundo as estatísticas, os membros de seitas/cultos eram, em 1986, 108 505 600 em todo o mundo, ou seja, 2.2% da população mundial, e estão em rápido crescimento. Ultrapassam já o número de adeptos do judaísmo e aproximam-se dos cristãos ortodoxos orientais. Só no Brasil há 12 milhões de adeptos das seitas (e cultos) (Prieto, 1994).
Este fenómeno não está, contudo, limitado ao Ocidente. Aproximadamente 20% da população japonesa, isto é, 24 milhões de japoneses, pertence a alguma das 16 000 seitas (e cultos) dispersas por todo o país. A maioria dos seus elementos são jovens que, atraídos por recompensas imediatas, como a purificação do sangue ou poderes paranormais, ingressam nestes grupos de carácter mais ou menos religioso (Prieto, 1994).
Mas não é só o crescimento quantitativo que tem importância; também cresceu, talvez em maior proporção, a sua influência e o seu nível de infiltração em determinados estratos do mundo político e económico. O poderio económico de algumas destas organizações, a sua astúcia, as compensações que oferecem, permitiram-lhes crescer sub-repticiamente e desenvolver os seus programas clandestinamente (Prieto, 1994).
Podemo-nos questionar: como é que eles conseguem tanto sucesso, tantos seguidores (Gozzi, 1989)? O que se passará para que pessoas ditas “normais” renunciem às suas antigas crenças e adoptem novos modos de pensamento “aparentemente aberrantes”? Por que meios asseguram os “gurus” a colaboração dos seus adeptos, a ponto de lhes extorquirem a fortuna ou os levarem a matar os próprios filhos (Leyens & Yzerbit, 1999)?
Conceitos Fundamentais
Religião
A religião é geralmente entendida como um sistema unificado de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, isto é, a coisas colocadas à parte e proibidas – crenças e práticas que unem, numa comunidade moral única, todos os que as adoptam (Lakatos & Marconi, 1999). Ou seja, toda a religião possui: (1) doutrina (crença, dogma), sobre a origem de tudo, sobre o sentido da vida, sobre a dor, sobre a matéria, sobre o além; (2) ritos (cerimónias); (3) ética (leis); (4) tende a formar comunidade; e, (5) inclui uma atitude de eu-tu, um relacionamento pessoal com Deus (Wilges, 2001).
Na origem de todas as grandes religiões estão as experiências visionárias dos seus fundadores, profetas, santos e até vulgares seguidores. Todas as maiores escrituras – os Vêdas, os Upanhishads, o cânone budista em páli, a Bíblia, o Corão, o Livro de Mórmon, e muitas outras são baseadas em revelações pessoais directas (Grof, 1998). Porém, religiões como o Hinduísmo, não provêm de uma revelação, mas nascem da experiência humana. Consistem na investigação das profundezas da alma, na reflexão sobre si mesma, da preocupação em não deixar escapar nada da experiência (Wilges, 2001).
Igreja
Na história do cristianismo, aparecem efectivamente já desde o Novo Testamento (ou Nova Aliança) dois conceitos em Teologia, que devido às suas características conservam validade como modelos até hoje: o de «igreja», para designar a comunidade, mais ou menos numerosa, que vivia em harmonia com a sociedade, não esperava nada de extraordinário dos seus membros, não buscava o martírio, mas procurava até evitá-lo, retirando-se para lugares escondidos, e o de «seita» («heresia» ou «cisma»), aplicado a outro tipo de organização, paralelo à igreja porém menos numeroso, radical, não disposto a fazer concessões ao mundo, pronto a aceitar o martírio como prova de fidelidade à fé (Galindo, 1994) e crítico em relação às igrejas. Actualmente, a Santa Sé prefere chamar-lhes «Novos Movimentos Religiosos» (Prieto, 1994).
Numa perspectiva sociológica, uma igreja é um tipo de organização religiosa que se distingue pelas suas características estruturais. A filiação é em geral atribuída por ocasião do nascimento da criança (baptismo nas igrejas cristã) e inclui indivíduos de diferentes classes sociais. Possui estrutura burocrática e líderes treinados, com autoridade claramente definida. Os rituais costumam ser abstractos, com pouca exibição de emoção durante os serviços religiosos. Em relação a outras grandes instituições, como o Estado, as igrejas tendem a apoiar o status quo e as categorias e grupos sociais dominantes (Johnson, 1997).
Mística
Os grupos religiosos do tipo mística, são movimentos religiosos que dão pouco interesse à sociedade envolvente e se interessam muito mais pelo auto-aperfeiçoamento dos seus membros (Vernette, 2002).
Muitos grupos gnósticos caem nesta categoria (Vernette, 2002). O gnosticismo foi um movimento que se desenvolveu no seio da cristandade, logo no século I d.C., e que sofreu uma violenta oposição da Igreja. Os gnósticos cristãos transformaram o Deus do Antigo Testamento em demiurgo deste mundo, por contraste com o verdadeiro Deus, primeiro e único, isolado na sua transcendência quase inacessível, e defendiam que o mundo (material) é “mau” (Eliade & Couliano, 1995).
Os movimentos gnósticos apresentam dois traços comuns: (1) uma interpretação do universo totalmente distinta da que dão as religiões tradicionais, ensinando, por exemplo, o dualismo ou o maniqueísmo; e (2) o desejo de desenvolver, mediante doutrinas esotéricas, energias latentes em todas as pessoas, com as quais cada um pode alcançar por si mesmo a felicidade ou “salvação”, que as religiões prometem mas que nunca poderão dar (Galindo, 1994).
O termo gnóstico deriva da palavra grega gnosis, em geral traduzida como «conhecimento» (Pagels, 2002). O «gnóstico», no sentido amplo do termo, é aquele que «conhece» porque teve uma revelação (Vernette, 2002). O gnosticismo pretende oferecer ao homem o conhecimento de si mesmo, de que ele necessita para alcançar a sua salvação, e, com ele, a resposta às grandes questões da vida: a sua origem, a razão da sua existência no mundo, o seu destino final (Galindo, 1994; Pagels, 2002). Assim como aquele que pretende nada saber sobre a realidade absoluta é chamado agnóstico (literalmente «não-conhecedor»), o indivíduo que afirma conhecer este tipo de questões é chamado gnóstico («conhecedor») (Pagels, 2002). O gnóstico não «crê» porque, aos seus olhos, a fé é inferior ao conhecimento. O gnóstico «sabe» porque é um iniciado. E será por tal conhecimento que ele é salvo (Vernette, 2002).
A língua grega distingue entre conhecimento científico ou reflexivo («Ele sabe matemática») e conhecimento mediado pela observação ou experiência («Ele conhece-me»), o qual constitui a gnosis. Da forma como o termo é usado pelos gnósticos, poderíamos traduzi-lo por «compreensão», pois a gnosis envolve um processo intuitivo de autoconhecimento (através da prática da meditação). Os judeus e os cristãos ortodoxos insistem na existência de um cisma que separa a Humanidade do seu criador: Deus é totalmente outro. Mas alguns dos autores dos Evangelhos Gnósticos contradizem esta posição: o autoconhecimento é o conhecimento de Deus; o ser individual e o divino são idênticos. Conhecer-se a si próprio, ao mais profundo nível, é conhecer simultaneamente Deus; é este o segredo da gnosis (Pagels, 2002). Para o gnosticismo, o homem é, afinal, parte do ser divino, porém perdeu o seu lugar original ao cair na matéria. Toda a espiritualidade inspirada nesta corrente tende a um fim único: reactivar o subconsciente e recuperar o próprio Eu, aprisionado no universo (Galindo, 1994).
Muitos dos escritos gnósticos apresentam tradições de carácter secreto sobre Jesus, ocultas dos “muitos” que constituíam aquilo que, no século II d.C., passara a ser designado de “Igreja Católica”. O “Jesus vivo” dos textos gnósticos fala de ilusão e iluminação, não de pecado e expiação. Ele não vem salvar-nos do pecado, mas surge como um guia que abre acesso ao entendimento espiritual. Porém, quando o discípulo atinge a iluminação, Jesus deixa de servir como seu mestre espiritual: os dois tornam-se iguais – idênticos, mesmo. O gnóstico já não é mais um cristão, mas um Cristo (Pagels, 2002).
Ao pregar um conhecimento filosófico, reservado a alguns iniciados e redentor, o gnosticismo foi acusado de heresia pela Igreja no seu sistema metafísico e porque faz depender a salvação não da graça de Deus, mas da descoberta pelo Homem sozinho da sua essência. Nem a fé nem as obras são úteis à redenção, nem a Paixão de Cristo (Quéré, 1991). Contudo, certos padres da Igreja, como Clemente de Alexandria (m. ca. 215), aceitam a existência de uma elite «gnóstica» cristã que chega ao conhecimento de uma verdade inacessível aos simples fiéis (Eliade & Couliano, 1995).
Seita
Sociologicamente, denomina-se seita um tipo de grupo religioso que se caracteriza por ter rompido com uma organização mais ampla, geralmente uma igreja (Johnson, 1997). Etimologicamente, a palavra «seita» pode significar «secção», aquilo que foi cortado de outra realidade, de outro grupo maior e original; o que foi seccionado de uma igreja. Viria do verbo latino seco, cujo significado é «cortar». Todavia, também poderia significar etimologicamente «sequência», enquanto grupo dos que seguem um líder, pela transcendência que tem o líder na seita, já que é o seu maior determinante. Neste caso, a palavra «seita» teria derivado do verbo latino sequor (seguir) (Prieto, 1994).
Os membros de seitas são predominantemente de classe social baixa e em geral passam a fazer parte dela através de conversão. A estrutura de autoridade da seita é informal, com o mínimo de hierarquia, e tem líderes sem treino formal, geralmente escolhidos pelos membros. São poucos os rituais, e os serviços religiosos tendem a ser de natureza emocional, embora menos intensos do que o dos cultos. Em relação a outras organizações religiosas, as seitas tendem a ser não-conformistas e oposicionistas, embora menos do que os cultos. O cristianismo parece especialmente vulnerável à formação de seitas. Este facto ocorre quando as igrejas se tornam tradicionalistas e cuidam principalmente dos interesses espirituais das classes sociais média e média alta, cujas necessidades diferem das da classe operária e baixa, que querem apoio e consolo, dada a sua desprivilegiada situação política e material. Como resultado, membros descontentes dessas classes deixam as igrejas e formam seitas próprias (Johnson, 1997).
Em termos teológicos, considera-se que fazem parte de uma seita cristã, aqueles que seguem uma pessoa ou uma doutrina de um grupo minoritário que se separou do tronco principal de uma igreja cristã considerada legítima, como a Igreja Católica Apostólica Romana e as Igrejas Ortodoxas Grega, Russa, Arménia, etc. (Vernette, 2002).
Culto
Um culto é um tipo de estrutura especial de instituição religiosa. A filiação a cultos é predominantemente de membros de classe social baixa e, em geral, procedida através de conversão, muitas vezes durante uma crise emocional, a qual o indivíduo pensa que o ingresso no culto resolverá. Ao contrário de outras instituições religiosas, os cultos tendem a ter vida curta, principalmente por causa da sua estrutura – organização informal, fraca, formada em torno da autoridade carismática de um único líder. Os serviços religiosos são muito emocionais, carecem de ritual formalizado e têm uma orientação para a abstenção hostil, relativamente às principais instituições sociais. Virtualmente todas as grandes religiões começaram como cultos, incluindo o budismo, o islamismo e o cristianismo (Johnson, 1997).
Cultos/Seitas Humanitários e Destrutivos
Segundo Rodríguez (citado por Prieto, 1994), uma organização religiosa destrutiva será todo aquele grupo que: (1) na sua dinâmica de captação e/ou doutrinação, utilize técnicas de persuasão coercitiva que propiciem a destruição (desestruturação) da personalidade anterior do adepto ou a danifiquem gravemente; (2) pela sua dinâmica vital, ocasione a destruição total ou grave dos laços afectivos e de comunicação afectiva com o meio social habitual e consigo mesmo; e, (3) a sua dinâmica de funcionamento leve a destruir e a desprezar direitos jurídicos inalienáveis num «Estado de Direito».
Para outros autores, no entanto, um grupo religioso cristão só se torna uma seita ou culto quando começa a ter tendências sectárias, ou seja, a fechar-se dentro de si mesmo, e os membros desse grupo começam a achar que só eles vão para o Céu, que o mundo não presta, que as pessoas são apóstatas, são todas pecadoras, só eles é que são santos, só eles é que conhecem a verdade (Gozzi, 1989; Prieto, 1994; Vernette, 2002).
Ou seja, as seitas e cultos impõem frequentemente as suas próprias normas de pensar, sentir e agir (Prieto, 1994). Consideram-se perigosos por serem manipuladores e destruidores da personalidade (Prieto, 1994; Vernette, 2002). São movimentos de protesto e dissidência contra as igrejas e as sociedades, fazendo parte da contracultura (Prieto, 1994).
Segundo Prieto (1994), poderíamos então resumir as características de uma seita (ou culto), nas seguintes:
1. Absolutização da organização. É exclusivista e narcisista, fechada sobre si mesma. Ela é a única coisa que importa;
2. Excessiva polarização no líder carismático, que, por vezes, chega à idolatria e, às vezes, se comporta como um tirano com domínio absoluto sobre as pessoas dos adeptos;
3. Carácter igualitário de todos os membros do grupo. Não se admite o sacerdócio hierárquico. O poder é detido pelo líder ou fundador e o círculo de dirigentes a quem distribui parcelas desse poder;
4. A adesão é voluntária, não sociológica. Rejeita-se o baptismo das crianças;
5. Os adeptos consideram-se eleitos, elite, ao contrário dos outros, que rejeitam como filhos da perdição. A organização propõe-se a si mesma como ambiente imprescindível de salvação. O adepto não tem alternativa: ou seita/culto ou perdição. É frequente que as seitas/cultos sejam redutivamente exigentes e rígidas em questões de ética e de moral;
6. Acentuação exagerada do experimental, afectivo e emocional na experiência religiosa, renunciando ao intelectual e dogmático;
7. Rejeição e oposição cegas e indiscriminadas ao mundo e à sociedade como lugar do maligno. Constituem uma sociedade marginal, “não-contaminada”;
8. Proselitismo exacerbado, utilizando frequentemente métodos enganosos;
9. As seitas/cultos surgidas do cristianismo ou nele inspiradas (e.g., Testemunhas de Jeová, Mórmones) apoiam-se na Bíblia, interpretada a partir de uma revelação privada ao fundador da seita/culto. Apoiam-se preferentemente no Antigo Testamento, e a leitura e o recurso à Bíblia são sempre fragmentares, concordistas, reducionistas e fundamentalistas;
10. Funcionam como sociedades secretas com dupla personalidade social: a que vive para dentro e a que se projecta para fora. Impera o secretismo;
11. Recurso à culpabilização, ao medo de Deus e dos Seus castigos, do fim do mundo, como meios de submissão e doutrinação;
12. Atitude fanática e obstinação perante a verdade dos outros. A seita é monolítica; está proibido o pluralismo; os dissidentes são expulsos;
13. Valoriza-se muito o comunitário (gregário) como suporte afectivo, até criar adição e diluição da pessoa no grupo, abdicando da própria personalidade;
14. São organizações conservadoras e instauracionistas, comprometidas com a Extrema Direita quase na sua totalidade;
15. Geralmente, o factor dinamizante das seitas/cultos é o afã económico;
16. Bastantes destas organizações recorrem aos marginalizados e adictos – alcoólicos, toxicodependentes, desesperados, abandonados – para “branquear” o seu funcionamento, para conseguir trabalho gratuito e recursos económicos;
17. Nas seitas/cultos destrutivos existe o recurso à lavagem ao cérebro, à manipulação psicológica mediante técnicas de persuasão mental, e ao castigo físico, para conseguir a submissão incondicional;
18. Nas seitas/cultos destrutivos acentuam-se mais os traços negativos, sobretudo relativamente à coacção e à manipulação das pessoas (e.g., na utilização de sofisticadas técnicas neurofisiológicas mascaradas para anular a vontade e o raciocínio dos adeptos);
19. Traço definidor das seitas/cultos destrutivos é conseguir, por coacção psicológica, a entrega do património pessoal, de grandes somas de dinheiro ou do trabalho não remunerado ou insuficientemente remunerado;
20. Característica definidora das seitas/cultos destrutivos é a utilização de meios degradantes para os fins da organização: a prostituição, ritual ou lucrativa, o proxenetismo e o tráfico de crianças.
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