Corrente psicológica em que se juntam experiências de hipnose e meditação, mística oriental, parapsicologia ocidental e espiritismo (Dorsch et al., 2001). Psicologia Transpessoal (ou «Quarta Força») é o título dado a uma força no campo da Psicologia, representada por um grupo de psicólogos e profissionais de outras áreas, de ambos os sexos, que estão interessados naquelas capacidades e potencialidades últimas que não possuem um lugar sistemático na teoria positivista ou behaviorista («Primeira Força»), na teoria psicanalítica clássica («Segunda Força»), ou na Psicologia Humanista («Terceira Força»). A Psicologia Transpessoal ocupa-se especificamente do estudo científico empírico e da aplicação das descobertas importantes dos seguintes assuntos: metanecessidades, no âmbito individual e da espécie; valores últimos; consciência unitiva; experiências de pico; valores B; êxtase; experiência mística; respeito; ser; auto-realização; essência; felicidade; milagres; significado último; transcendência do self; espírito; singularidade; consciência cósmica; sinergia individual e da espécie; máximo encontro interpessoal; sacralização da vida quotidiana; fenómenos transcendentais; alegria e diversão cósmica; consciência sensorial máxima; responsividade e expressão; e dos conceitos, experiências e actividades relacionadas. Como uma definição, esta formulação deve ser entendida como sujeita a interpretações opcionais, sejam elas individuais ou de grupos, com relação à aceitação do seu conteúdo como essencialmente naturalista, teísta, sobrenaturalista, ou qualquer outra classificação que lhe for dada (Sutich, 1991). Ou seja, a Psicologia Transpessoal pode ser definida como o estudo científico de experiências e comportamentos, como a transcendência dos limites normais do ego e das habituais limitações físicas e mentais, através de auto-regulação da atenção ou fantasias mentais, aos quais foram atribuídos valores superordenados por aqueles que os descrevem. Para além disso, a Psicologia Transpessoal estuda também os aspectos psicofisiológicos destas experiências e comportamentos, assim como as suas implicações teóricas e suas aplicações na educação, aconselhamento e psicoterapia (Krippner, 1991).
De acordo com Gastó (1998a), a consciência deve ser considerada um fenómeno biológico, contudo, à diferença de outros (e.g., a digestão), apresenta características difíceis de objectivar. Uma destas características diferenciadoras é o que chamamos «subjectividade», ou a «consciência privada da pessoa», que não somente os actos (verbais e motores) que podemos observar. Classicamente esta autoconsciência tem sido identificada, em termos psicológicos e fenomenológicos, com o «eu» ou «si-mesmo». Na aproximação racional ao tema da consciência (especialmente da autoconsciência) é possível identificar, entre outras, quatro explicações: (1) o interaccionismo cartesiano, aceita um domínio físico (cérebro) e outro mental (consciência) com leis independentes. De acordo com esta perspectiva, um efeito no domínio físico da percepção induz um determinado estado cerebral que por sua vez facilita uma experiência (na consciência). Não obstante, a decisão que o organismo toma considera-se independente de um segundo estado cerebral. São as leis que regem a experiência consciente (e.g., libre arbítrio, condicionamento, etc.) que condicionam a resposta comportamental; (2) o epifenomenalismo, por seu lado, apesar de aceitar a existência destes dois domínios, defende que as leis que os regem dependem exclusivamente do domínio cerebral. Portanto, esta perspectiva aceita a existência de algo que comummente denominamos consciência (mente, actividade cognoscível, etc.), apenas por imperativos da nossa linguagem comum, pois ela não possuiria leis distintas daquelas que a ciência possa descobrir do estudo do cérebro; (3) o paralelismo, aceita uma estrita correspondência entre fenómenos da consciência e fenómenos cerebrais. Esta teoria sustém igualmente uma correlação psiconeural entre processos cognoscíveis e módulos neuronais (neo-localizacionismo); e, por último (4) as teorias da identidade (também designadas por teorias da identidade psicofísica ou teorias do estado central. Por exemplo: interaccionismo emergente; panpsiquismo identitário; fisicalismo; biperspectivismo; materialismo emergentístico), subsidiária das anteriores, defende que a distinção entre sucessos mentais e físicos é tão só uma forma de empregar duas linguagens distintas a um mesmo fenómeno. Aceita a possibilidade de falar de fenómenos mentais, mas, diferentemente do paralelismo, considera que na realidade estamos a falar de estados cerebrais definidos segundo uma linguagem «mentalista». Para além destas, segundo Eccles (2000), podemos considerar: (1) o materialismo radical: é negada a existência de processos conscientes e estados mentais. O Behaviorismo radical dá uma explicação completa do comportamento, compreendendo o comportamento verbal e as «disposições» (estados afectivos ou intenções) que a ele conduzem; (2) o panpsiquismo: a princípio associada à matéria numa espécie de estado protopsíquico, a consciência evolui à medida que aumenta a complexidade do cérebro até surgir como a consciência de si associada ao cérebro. A consciência forma assim um paralelo com os acontecimentos cerebrais, à maneira dos aspectos interior e exterior de uma casca de ovo! No entanto, a Física moderna não admite que as partículas elementares – electrões, protões, neutrões – possuam uma memória ou identidade, por isso a doutrina panpsíquica da «protoconsciência» deve ser rejeitada; e, (3) a teoria dualista-interaccionista: o espírito e o cérebro constituem entidades independentes – pertencendo o cérebro ao Mundo 1 (objectos e estados materiais) e o espírito ao Mundo 2 (estados de consciência) – que interagem por meio de leis da Física Quântica. Ou seja, existe uma fronteira e, através dessa fronteira, há uma interacção bidireccional, concebida não como um fluxo de energia, mas como um fluxo de informação. Na opinião de Eccles, os monistas materialistas desenvolveram a crença na teoria da identidade – segundo a qual os acontecimentos mentais, tais como a consciência, são de certo modo «idênticos» aos acontecimentos cerebrais. Deste modo segundo esta identidade enigmática, os estado mentais não seriam outra coisa senão acontecimentos cerebrais! Ora, a maioria dos neurocientistas (e psicólogos) converteu-se ao monismo materialista. Este materialismo dominante concede ao cérebro uma total superioridade sobre o espírito, mesmo no caso da experiência da consciência. Na opinião deste autor, os materialistas continuam a ocupar como sempre um lugar de destaque porque acreditam piamente num sistema de crenças dogmáticas que os mantém presos a uma ortodoxia quase religiosa. A ortodoxia materialista está profundamente enraizada, tanto no domínio científico como filosófico, e defende os seus dogmas com um farisaísmo raramente igualado, mesmo nos tempos antigos do dogmatismo religioso. Se o Mundo 2 (estados de consciência) é impotente, o seu desenvolvimento não pode ser explicado pela teoria da evolução. Os adeptos do panpsiquismo, do epifenomenalismo e da teoria da identidade nunca se aperceberam que defendiam uma teoria sem qualquer relação com a teoria da evolução biológica, isto é, os estados mentais e a consciência não teriam podido evoluir e desenvolver-se se não tivessem um efeito causal na modificação dos acontecimentos neurais do cérebro, e por consequência na modificação dos comportamentos portadores de um valor de sobrevivência. Isso só pode acontecer se o Mundo 1 do cérebro (objectos e estados materiais) estiver aberto às influências dos acontecimentos mentais do Mundo 2.
Inúmeros grandes físicos, com o passar dos anos, têm-se absorvido de modo profundo pelo papel da mente na construção da realidade. Schrodinger, por exemplo, observou que a exploração do relacionamento entre o cérebro e a mente é a única função importante da ciência (Ferguson, 1997).
O conhecimento e tratamento do transtorno mental registou um constante progresso ao longo dos séculos. Durante a Idade Média, foi considerado como um pecado ou possessão diabólica (modelo demonológico) tratável portanto por agentes religiosos ou espirituais. Posteriormente passou a ser mais uma forma de enfermidade – com alguma alteração bioquímica subjacente assumida – tratável por meios médicos. Este é o modelo biomédico baseado, em boa parte, no trabalho de Kraepelin. O advento da Revolução Francesa e suas sequelas e reformas sociais, trás consigo a humanização e reforma dos asilos franceses exemplificada pela acção de Pinel de libertar os asilados das suas cadeias. É o que Hobbs (1964) denominou a “primeira revolução” no campo da saúde mental. A “segunda”, vem pela mão de Freud e a Psicanálise ao assumir causas – e por sua vez soluções – psicológicas (em oposição às orgânicas assumidas no modelo biomédico) para os transtornos mentais. Freud não só funda a psicoterapia como tal (o tratamento por meios psicológicos) como também inicia a explicação psicológica dinâmica – em oposição à tradição psiquiátrica estática de Kraepelin e outros –, ampliando o campo dos transtornos menores (neuroses) ao estudo e tratamento que nessa altura se havia centrado nas psicoses. Este é o modelo psicológico do transtorno mental. A “terceira revolução” – a que nos interessa aqui é a representada pelo advento, nos anos 60 do séc. XX, do movimento comunitário que, em oposição ao psicológico e intrapsíquico, se interessa pelos determinantes ambientais e sociais do transtorno mental e na intervenção preventiva a nível populacional, e não individual. Este movimento insere-se no contexto do terceiro grande modelo – em estado emergente – de tratamento e conhecimento do transtorno mental contemporâneo (o modelo demonológico é praticamente inexistente na actualidade), o modelo psicossocial. Poderíamos dizer com B. Smith (1968), que o modelo biomédico representou um grande avanço em relação ao demonológico (praticamente inútil para entender ou tratar os problemas mentais), permitindo atender aos transtornos maiores, às psicoses, nos quais se centrou. O enfoque psicológico surgiu, como se indicou, do trabalho com neuróticos, enquanto que o psicossocial surgiu a partir dos problemas e stresses sociais que grandes grupos de pessoas desfavorecidas, marginalizadas ou vulneráveis experimentam nas sociedades contemporâneas e da necessidade de eliminar esses problemas e stresses a nível social, bem como dotar as pessoas afectadas das competências psicossociais precisas para enfrentá-las (Vidal, 1991).
«Psicologia» (Psychology) vem de duas palavras: psique[1][1] e logos. A palavra psique vem da palavra grega yuch - que significa «sopro de vida», i.e., «alma ou espírito», livremente traduzida por «mente»;[2][2] e logos significa «saber», «estudo», como todas as «logias»! (Benson & Grove, 2000). Até 1920, a Psicologia era definida como a «ciência da vida mental» (Myers, 1999) ou da «consciência» (Fernald, 1997). De 1920 a 1960, os psicólogos americanos, liderados por John Watson, eliminaram o método introspectivo e redefiniram a Psicologia como a «ciência do comportamento observável» (Myers, 1999). Actualmente, a Psicologia é definida como o estudo científico do comportamento humano e animal, da experiência e dos processos mentais, ou o estudo de todas as formas de comportamento, experiência e vida mental (Fernald, 1997); o estudo científico da mente e do comportamento de seres humanos e animais (Benson & Grove, 2000); é a ciência que investiga os processos e estados conscientes, bem como suas causas e efeitos (Rohracher); é a ciência dos fenómenos subjectivos da vida, que estão ligados regularmente com os fenómenos objectivos (Pauli) (Dorsch, Hacker, & Stapf, 2001); o ramo da ciência que estuda os fenómenos da vida consciente, na sua origem, desenvolvimento e manifestações (Brito, 1994). Esta ciência tem como objectivo descrever e explicar como pensamos, sentimos e agimos de determinada maneira (Myers, 1999) e aplicar este conhecimento em diversas situações (Fernald, 1997). Por exemplo, muitas vezes usa-se os dados da investigação para prever quando é que certos comportamentos podem ocorrer. Estes dados podem ainda ser aplicados na mudança de contextos ou comportamentos desajustados (Costa & Mendes, 1995). Em última instância, os psicólogos pretendem melhorar a vida das pessoas e o mundo em que vivemos (R. S. Feldman, 2001). A letra grega Y (lê-se «psi») usa-se actualmente como símbolo internacional de Psicologia (Benson & Grove, 2000).
O que é que a Psicologia inclui? Ao contrário das ciências naturais, a Psicologia não tem uma teoria unificadora ou uma abordagem específica (Benson & Grove, 2000). É costume dividir a Psicologia em diferentes ramos, consoante os indivíduos (sujeitos) e as actividades estudadas (Psicologia Clínica, Animal, da Criança, Industrial ou do Trabalho, Social, etc.), existindo ainda áreas, divisões, escolas, teorias ou tendências, consoante a metodologia utilizada, ou, por vezes, as diferentes perspectivas filosóficas (Psicologia Analítica, Gestaltista, Behaviorista, etc.) (Brito, 1994), isto é, consoante a perspectiva pela qual pode ser visto cada evento psicológico (Myers, 1999).
[3][1] Psique (psyche): 1. Princípio da vida. 2. Espírito, incluindo tanto os processos conscientes como inconscientes. 3. O eu (Chaplin, 1981).
[4][2] Mente (espírito) (mind): 1. Totalidade organizada de processos psicológicos que permitem ao indivíduo interagir com o seu ambiente. 2. (Estruturalismo) Totalidade das experiências conscientes. 3. Totalidade das estruturas permanentes responsável pela experiência consciente e pelas actividades psicológicas. 4. O Eu ou Psique. 5. Intelecto ou inteligência. 6. Forma de comportamento ou maneira de pensar característica, tal como a mentalidade (espírito) americana(o) ou mentalidade de um selvagem (Chaplin, 1981).
De acordo com C. Grof e S. Grof (1994), podemos considerar como formas de emergência espiritual, entre outras:
● A crise xamânica;
Se algumas destas experiências evocam áreas do domínio da Antropologia, outras estão conotadas com filosofias e religiões orientais, outras referem-se a domínios de crenças ocidentais modernas conotadas com o movimento New Age e outras derivam do progresso da Medicina.
O Xamanismo é a mais antiga religião e arte curativa da humanidade. Trata-se de um fenómeno universal, que surgiu provavelmente na era paleolítica e sobreviveu na maioria das sociedades pré-industriais até aos nossos dias. A carreira de muitos xamãs - feiticeiros curadores ou curandeiros e curandeiras - em diferentes culturas, começa com um dramático episódio visionário involuntário que os antropólogos denominam «enfermidade xamânica». Nesse período, os futuros xamãs podem perder o contacto com o ambiente e ter intensas experiências interiores, que envolvem jornadas ao mundo inferior (inferno) e ataques de demónios que os expõem a incríveis torturas e provações, que costumam culminar em vivências de morte e desmembramento seguidas pelo renascimento e a subida para regiões celestiais. Além dos elementos de tortura física e emocional, de morte e de renascimento, esses estados envolvem também experiências de ligação com animais, plantas e forças elementais (“espíritos”) da natureza (S. Grof & C. Grof, 1995b).
Maliszewski (1996) refere que os mestres da arte marcial indiana Kalarippayattu, embora considerem o Yôga como a prática suprema para alcançar a hiperconsciência, realçam que também é possível despertar a kundaliní, através do treino correcto desta arte marcial.
A palavra kundaliní evoca algo de exótico ligado a civilizações orientais e, até por isso, surge arredada dos glossários de Medicina. No entanto, muitos médicos ocidentais têm vindo a descrever casos clínicos, que para os conhecedores de uma tradição espiritual oriental, apresentam semelhanças extraordinárias com descrições clássicas do despertar da kundaliní. Parece, então, que se trata de um fenómeno que existe para além de uma ligação específica a uma cultura (Simões, 1997b).
Em 1932, Carl Gustav Jung, fundador da Psicologia Analítica, organizou um seminário internacional sobre a Psicologia do Kundaliní Yôga. Jung (1996) estava convencido que o simbolismo do Kundaliní Yôga sugeria que a bizarra sintomatologia presente nalguns pacientes do tempo presente, nomeadamente a localização peculiar dos sintomas físicos, resultava do despertar da kundaliní. Segundo S. Grof e C. Grof (1993, 1995b), esta síndrome da «fisio-kundaliní» pode ser acompanhada de: (1) manifestações físicas e psicológicas dramáticas, chamadas kriyás em sânscrito; (2) sensações poderosas de calor e energia subindo ao longo da espinha, associadas com tremores violentos, espasmos e movimentos serpeantes; (3) fortes ondas de emoções aparentemente imotivadas, tais como, ansiedade, raiva, tristeza, enlevo jubiloso ou extático, riso ou choro involuntários, sensações orgásticas, estados de indescritível paz e tranquilidade, depressão, ansiedade e agitação relacionada com sensação de insanidade ou morte; (4) comportamentos involuntários e, com frequência, incontroláveis, nomeadamente: assumir espontaneamente posições de Yôga (ásanas) e gestos com as mãos (mudrás), vocalizações de mantras (cânticos) ou canções, falar em línguas estranhas ou emitir sons vocais desconhecidos ou sons de animais; (5) visões de símbolos geométricos, de luzes brilhantes e radiantes, complexas visões de seres arquétipos, tais como, santos, divindades, demónios, e completas sequências mitológicas; (6) percepção de fenómenos acústicos que parecem vir do interior e que incluem uma variedade de sons; e, (7) experiências do que parecem ser lembranças de vidas passadas.
Na experiência culminante ou de pico (peak experience), ocorre a dissolução das fronteiras pessoais e surge a sensação de unidade/fusão com outras pessoas, com a natureza ou com todo o universo. As categorias comuns de tempo e espaço parecem ser transcendidas e a pessoa pode ter o sentido do infinito ou da eternidade (S. Grof & C. Grof, 1995b). As emoções associadas com esses estados variam de sensação de felicidade, grande prazer, “iluminação” (B. Berger & McInman, 1993), paz e serenidade profundas, a enlevo místico (S. Grof & C. Grof, 1995b). Na opinião de Maslow (1991), é muito importante separar esta experiência de qualquer referencial teológico ou sobrenatural, apesar de durante milhares de anos ela ter sido associada com tais coisas. Aparentemente, a experiência culminante é uma intensificação enorme de qualquer das experiências em que se perde ou transcende a noção de eu, envolve uma concentração intensa e uma experiência sensual profunda ou a audição de Si. Segundo Kretchmar (1994), apesar destes estados de “tranquilidade em acção” serem difíceis de recriar, são inesquecíveis e podem surgir na prática da dança e de diversos desportos, quer em praticantes avançados, quer em principiantes.
Muitas tradições espirituais e escolas místicas descrevem a emersão de várias habilidades “paranormais” como uma fase natural, porém perigosa, da evolução da consciência. Muitas pessoas em crise de transformação relatam casos específicos de percepção extra-sensorial, tais como: experiências fora do corpo, visão remota, precognição, telepatia e fenómenos de «sincronicidade». Nos estágios mais avançados que se seguem à superação desses obstáculos críticos, uma maior intuição e habilidades psíquicas podem tornar-se partes integrantes da vida das pessoas. Nesse instante, são integradas a uma nova visão “mística” do mundo e não apresentam problemas. No entanto, ocasionalmente, o influxo de informação de fontes incomuns torna-se tão dominador que controla a situação, tornando-se uma emergência espiritual. Além disso, quando uma pessoa se torna familiarizada com as habilidades psíquicas e adequada aos eventos, pode encontrar outro tipo de problemas. Por exemplo, é fácil ficar fascinado, orgulhoso, e interpretar estas ocorrências como a indicação de superioridade própria ou de um chamado especial. Tal atitude é perigosa, pois pode resultar no inflar do ego (C. Grof & S. Grof, 1994), levando muitas vezes à utilização dessas capacidades para benefício próprio e com total falta de escrúpulos (Almendro, 1998).
A mitologia, o folclore e a literatura espiritual do mundo apresentam bastantes relatos vívidos de experiências associadas com a morte e o morrer (experiências de quase morte). No passado, esta “mitologia funerária” era considerada pela ciência ocidental produto da fantasia e da imaginação de povos incultos (S. Grof & C. Grof, 1995b). No entanto, estas vivências têm sido mais estudadas a partir dos anos 70-80, após a publicação de alguns estudos conduzidos por médicos sobre moribundos e as suas experiências em estados terminais. Este tipo de relato é sentido como real e 90% do que foi relatado corresponde à maioria das vivências de pessoas que estiveram, realmente, próximas da morte (Simões, 1998). Este tipo de vivências surge não só em pessoas que sofreram paragem cardíaca como, nalguns casos, em pessoas que sofreram um acidente, sem contudo chegar a haver paragem cardíaca (Gomes, 1997). Segundo Simões (1998), uma experiência de quase morte clássica engloba as seguintes fases: (1) em primeiro lugar, ocorre uma suposta saída do corpo físico (OBE - out of body experience). A pessoa não sente dor nem tem qualquer sensação corporal. Encontra-se num silêncio cristalino e começa a ter consciência visual do ambiente, parecendo que observa a cena de cima, com o seu corpo lá em baixo; (2) de repente, a sua atenção é atraída para uma escuridão, que lhe parece estar a atravessar e que se assemelha à configuração de um túnel. À medida que se aproxima do final deste túnel tem a visão de uma luz extremamente brilhante - branca dourada - que não ofusca, sem fonte de procedência e que tudo cobre, sentindo-se permeado por ondas de “amor puro”. O tempo pára, como se estivesse numa paisagem paradisíaca de eternidade, de perfeição e totalidade, por vezes acompanhado por uma música celestial; (3) surgem presenças ou seres de luz, quase sempre identificados como antepassados falecidos, figuras religiosas ou uma presença, que não se vê, mas cuja consciência mantém consigo um diálogo telepático, informando-a que deve decidir se quer permanecer ali ou regressar e nesse momento revê um milhão de imagens simultâneas de tudo o que se passou na sua vida. Não existe julgamento exterior, pois é o próprio que capta o significado essencial da sua vida e avalia eticamente os seus pensamentos, palavras e acções. Nesta altura toma consciência que deve regressar, para acabar uma tarefa, por causa da família,…e sente dores.
Em suma, os estados modificados de consciência não são patológicos em si mesmos, isto é, decorrem de um contexto, frequentemente mágico, religioso ou curativo, sendo integrados na cultura que os propicia (Simões, 1997c). Além disso, os estados modificados de consciência têm geralmente a duração de minutos ou horas, o que os diferencia da maioria das doenças psiquiátricas (Simões, 1996). Só a sua persistência ou falta de autonomia pessoal ou social após a sua vivência os tornam patológicos (Simões, 1997c).
Tradicionalmente, os médicos e psicólogos tendem a definir a saúde como a ausência de doença. A partir disso, saudável é apenas “não-doente”. Esta definição envolve um certo número de pressupostos e limitações (Walsh & Vaughan, 1995). Uma das suposições mais comuns e difundidas em Psicologia e Psiquiatria é a hipótese de que, por serem duas pessoas “normais”, isto é, seguramente não insanas, os seus estados de consciência comuns sejam essencialmente os mesmos (Tart, 1991). O critério comum de normalidade é geralmente representado pelo homem médio típico, que observa as convenções sociais do ambiente em que vive - noutras palavras, por aquele que é conformista. Mas, a “normalidade” compreendida desta maneira é uma concepção que não satisfaz plenamente: ela é estática e exclusiva (Assagioli, 1991). Por outro lado, esta definição ignora a possibilidade da saúde exibir formas de ser, modalidades e profundidades de experiência, interesses e motivos que não aparecem de modo algum na patologia. Do mesmo modo, a pessoa bastante saudável pode não fazer certas coisas que as outras pessoas tornaram universais e consideram intrínsecas à natureza humana. É provável que as pessoas mais saudáveis tenham acesso a uma gama mais ampla de estados de consciência, devido a possuírem um maior grau de controlo voluntário. Isso evoca a interessante questão de saber se a pessoa psicologicamente saudável num grau extremo não nos pareceria por vezes misteriosa ou bizarra (Walsh & Vaughan, 1995).
Segundo Simões (1996), podemos diferenciar os estados modificados de consciência em vigília, da seguinte forma:
1. EMC em vigília ordinária, nos quais há dominância do estado de activação em relação ao de repouso; ênfase na actividade mental característica do hemisfério cerebral esquerdo; dominância na recepção de estímulos exteriores; pouca utilização da imaginação - domínio da actividade mental ou física, sobre a contemplativa;
2. EMC em vigília diferenciada, em que há domínio de um estado de repouso; domínio da recepção de estímulos de fontes internas (corporais ou de conteúdos da memória); imaginação considerável; estado passivo de actividade mental - domínio da contemplação sobre a acção.
Estes últimos não são de experiência comum nas culturas ocidentais, salvo em determinados círculos religiosos ou culturais e, por isso, quando ocorrem, criam um sentimento inicial de surpresa e depois de inquietação ou desassossego, por não existir concordância com as vivências habituais (Simões, 1996).
O «supraconsciente» supõe tudo o que pertence ao reino do luminoso a que o Homem tem que recorrer para ser consciente de si mesmo e de tudo o que o rodeia. A supraconsciência é um reino de luz e de alegria, a subconsciência, um reino de sombras e de pesares. Todavia, essa supraconsciência apesar de representar um plano elevado, também é inconsciente e, portanto, necessita de vivência. O seu paulatino despertar ou irrupção súbita inicia o processo transpessoal (Almendro, 1998).
Muitos psicólogos e outros cientistas foram fortemente influenciados por ideias preconcebidas e preconceitos ao analisar o crescimento transpessoal e as experiências transcendentais ou religiosas. As conotações associadas a esses temas levaram alguns a acreditar que tais tópicos são mais artigos de fé do que temas a ser investigados pela Psicologia. Tais preconceitos são fortalecidos pelo facto de que virtualmente os únicos conceitos disponíveis para descrever fenómenos transpessoais vêm da terminologia religiosa (Fadiman & Frager, 1986). Desta forma, em muitas correntes de Psicologia esta supraconsciência é desconhecida e quando irrompe é tomada como delírio ou como patologia e, nalguns casos extremos, com conteúdos burlescos desligados de toda a imparcialidade (Almendro, 1998). Contudo, a Psicologia Transpessoal não considera patológicas, à primeira vista, certo tipo de experiências excepcionais humanas (Simões, 1997c).
Segundo Krippner (1997), a Psicologia é o estudo científico do comportamento e da experiência, enquanto que a Parapsicologia ou «Pesquisa Psi» estuda as aparentes anomalias do comportamento e da experiência, isto é, os fenómenos que parecem estar fora dos mecanismos explanatórios actualmente conhecidos e responsáveis pela troca de informação organismo-meio ambiente, organismo-organismo e, fluxo de influência física através do tempo e do espaço. No entanto, Krippner (1991) esclarece que o compromisso com o estudo de fenómenos parapsicológicos não implica assumir a realidade de factores ou processos “incomuns”.
Tendo em vista manter a credibilidade científica, a Parapsicologia ortodoxa procura evitar a conexão com tópicos considerados “ocultos”, tais como: objectos voadores não identificados (OVNIs), I Ching (Livro chinês das Mutações), Tarot, Quiromancia, Magia Negra, Astrologia, Triângulo das Bermudas, Atlântida ou o Abominável Homem das Neves (A. Berger & J. Berger, 1991).
É sob estados modificados de consciência que decorre actualmente o estudo dos fenómenos parapsicológicos, também denominados «psi» ou anómalos (e.g., a precognição, a telepatia ou a clarividência), pois aqueles facilitam os últimos (Simões, 1997a). Assim, começa a perceber-se a necessidade de um esforço extra, que permita elevar a disciplina científica que já é a Parapsicologia ao estatuto de ciência, pela aquisição de nova metodologia e teoria integradora de todos os fenómenos da consciência (Simões, 1997d).
S. Grof (1983, 1991) dirigiu pessoalmente mais de 2000 sessões de pesquisa experimental em psicoterapia com emprego de LSD e de outras substâncias psicodélicas, e além disso, teve acesso a gravações de mais de 1300 sessões realizadas por outros psiquiatras na Europa e Estados Unidos da América. Inicialmente, a maioria dos sujeitos recebia repetidas dosagens médias de LSD (100-250 microgramas), dentro da estrutura da psicoterapia com orientação psicanalítica (a abordagem psicolítica). No tratamento psicolítico, as sessões de LSD são realizadas após duas ou três semanas de psicoterapia preparatória. Uma série psicolítica consiste em 15-80 sessões, geralmente com um intervalo de 1-2 semanas entre elas. Uma ajuda psicoterapêutica intensiva foi oferecida aos pacientes durante as sessões, como também no intervalo entre elas. Este método representa uma intensificação e aceleração da psicoterapia dinâmica. De acordo com a natureza do material inconsciente emergente, foram utilizadas as abordagens freudiana, rankiana ou junguiana em vários estágios do tratamento. Mais tarde, foram usadas altas dosagens de LSD (300-500 microgramas) num ambiente e numa perspectiva especiais, que visavam a facilitação de experiências “místicas” (a abordagem psicodélica). Nesta última abordagem, o uso de vendas visuais, de auscultadores estereofónicos e de músicas especialmente seleccionadas, foi uma parte importante no processo de tratamento. A maioria dos sujeitos da amostra eram pacientes portadores de uma grande variedade de problemas emocionais, tais como, perturbações de ansiedade, problemas psicossomáticos, psicoses fronteiriças (borderline) e diversas formas de esquizofrenia, distúrbios sexuais, alcoolismo e dependência em narcóticos. Uma outra ampla categoria destes sujeitos, foi a dos voluntários “normais” - psiquiatras, psicólogos, estudantes, enfermeiras, pintores, escultores, músicos, filósofos, cientistas, padres e teólogos. Uma pequena parcela das sessões foi realizada com pacientes que sofriam de uma doença terminal e defrontando-se com uma morte iminente, principalmente doentes cancerosos.
Com base nas suas observações, S. Grof (1983) apresenta uma cartografia da psique humana, na qual o inconsciente é formado por vários níveis, correspondendo a cada um deles um determinado tipo de experiência:
· Experiências psicodinâmicas;
· Experiências perinatais;
· Experiências transpessoais.
As experiências abstractas e estéticas constituem o nível mais superficial da experiência LSD. Elas não revelam o inconsciente do sujeito e são desprovidas de significação psicodinâmica. Os aspectos mais importantes destas experiências são compreensíveis em termos fisiológicos como o resultado de uma estimulação química dos órgãos sensoriais, reflectindo a sua estrutura interna e as suas características funcionais. Contudo, as visões geométricas e decorativas ou ainda as ilusões acústicas elementares, apresentam às vezes alguma conotação afectiva específica (S. Grof, 1983).
As experiências psicodinâmicas encontram a sua origem nas diferentes zonas do inconsciente individual, assim como nas regiões da personalidade acessíveis durante os estados de consciência usuais. Elas estão ligadas a recordações marcantes, a problemas emocionais, a conflitos irresolvidos, e a um material oculto que corresponde a diversas épocas da vida do indivíduo. A maioria dos fenómenos que se produzem a este nível pode ser interpretado e compreendido em termos psicodinâmicos. No entanto, a descrição deste tipo de experiências implica dois requisitos: (1) um conhecimento dos princípios de base da dinâmica inconsciente tal como descritos por Sigmund Freud, fundador da Psicanálise (em particular, os mecanismos do sonho); (2) uma familiaridade com certas características específicas do estado LSD e com a sua linguagem simbólica (S. Grof, 1983).
O elemento central das experiências perinatais diz respeito aos problemas do nascimento biológico, do sofrimento e da angústia física, do envelhecimento, da doença e da morte. A confrontação dolorosa com estes aspectos críticos da existência humana e a tomada de consciência da fragilidade e da impermanência do Homem enquanto criatura biológica, são acompanhadas inevitavelmente de uma terrível crise existencial. O principal elemento filosófico que acompanha as experiências perinatais, é a revelação de que o nascimento é semelhante à morte. Este reencontro chocante, tanto no plano emocional como no físico, com o fenómeno da morte, tem como consequência o desenvolvimento de novas regiões de experiências espirituais e religiosas que parecem ser uma parte intrínseca da personalidade humana e são independentes da bagagem cultural e religiosa do indivíduo. Mesmo os materialistas convencidos, os cientistas positivistas, os cépticos e os cínicos, os ateus intransigentes e os inimigos da religião (e.g., alguns filósofos materialistas e naturalistas), passam a interessar-se pela busca espiritual depois de terem enfrentado pessoalmente estes níveis (S. Grof, 1983).
Quanto às experiências transpessoais, elas abarcam um conjunto de fenómenos muito vasto e de múltiplas facetas, no entanto, têm um denominador comum: envolvem a expansão ou extensão da consciência além das limitações usuais do ego e das limitações de tempo e/ou espaço, i.e., o conteúdo de uma experiência transpessoal particular vai além dos elementos do mundo fenomenal tridimensional (ou «realidade objectiva»), que nós conhecemos nos estados de consciência usuais (S. Grof, 1983). Tipicamente, estes estados desenvolvem-se em quatro diferentes níveis: sensório, evocativo-analítico, simbólico e integral. No nível sensório, há relatos subjectivos de alterações do espaço, do tempo, da imagem do corpo e das impressões sensórias. No nível evocativo-analítico, surgem ideias e pensamentos novos acerca das psicodinâmicas do indivíduo ou acerca da concepção do mundo e do seu papel nele. No nível simbólico, há uma identificação com personalidades históricas ou lendárias, com a recapitulação evolucionária ou com símbolos míticos. No nível integral (que, comparativamente, poucos indivíduos atingem), há uma experiência de consciência cósmica, experiência máxima, experiência religiosa e/ou mística, na qual Deus (ou a “Base do Ser”) é confrontado ou então ocorre uma sensação subjectiva de dissolução no campo energético do Universo (Krippner, 1993).
S. Grof (1983) concluiu que as experiências transpessoais representam fenómenos sui generis, originados em níveis profundos do inconsciente, que não foram percebidos nem reconhecidos nas sessões psicanalíticas clássicas. Os elementos transpessoais dominam todas as sessões LSD a seguir à experiência final de morte/renascimento. Estas experiências não são explicáveis em termos freudianos e os seus conteúdos não podem ser reduzidos a qualquer outra categoria de elementos psicodinâmicos. Todavia, S. Grof reconhece que o modelo da psique desenvolvido por Carl Gustav Jung (1875-1962), fundador da Psicologia Analítica, já englobava este nível do inconsciente, ao propor o conceito de «inconsciente impessoal, suprapessoal ou colectivo». Para Jung (1995), o inconsciente pessoal nada mais é do que uma camada que assenta numa base de natureza inteiramente diversa: o inconsciente colectivo. A razão desta denominação está na circunstância de que, ao contrário do inconsciente pessoal e das suas imagens meramente pessoais, os conteúdos do inconsciente mais profundo (os arquétipos) são de natureza nitidamente mitológica e são totalmente universais. Isto significa que essas imagens coincidem, quanto à sua forma e ao conteúdo, com as representações primitivas universais que se encontram na raiz dos mitos. No entanto, isso não quer dizer, em absoluto, que essas imaginações sejam hereditárias; hereditária é apenas a capacidade de ter tais imagens, o que é bem diferente.
No entanto, S. Grof (1991) realça que deve ser feita uma distinção entre os estados modificados de consciência (EMC) e as experiências transpessoais. O termo estados modificados de consciência inclui as experiências transpessoais, mas existem certos tipos de experiências que podem ser qualificados de estados modificados de consciência, que não atingem o critério para serem catalogadas como transpessoais. São exemplos de EMC, não necessariamente transpessoais: as experiências de revivência vívida e complexa de uma memória infantil; vários jogos de fantasia e experiências simbólicas resultantes do uso de técnicas de fantasias afectivas induzidas; e as experiências primariamente estéticas, envolvendo visões de cores, de padrões ornamentais e de estruturas geométricas, em sessões psicodélicas.
De modo bastante conciso, pode-se definir um estado de consciência (EC), como um padrão generalizado de funcionamento psicológico (Tart, 1991). A atenção parece desempenhar importante papel no direccionamento do estado de consciência, admitindo ou negando experiências específicas que entram na consciência (Davidoff, 1983).
O estado de vigília é uma função do organismo em que o indivíduo tem consciência dos seus processos. Portanto, caracteriza-se por uma activação geral da capacidade sensorial e de relação com o meio, das funções neurovegetativas, do tónus muscular, e de todas as funções psicológicas em geral (E. Pestana & Páscoa, 1998). Neste estado de consciência “usual” ou “normal” de vigília, o indivíduo experimenta-se como existindo dentro dos limites do seu corpo físico (a imagem corporal), que o separa bastante distintamente do resto do mundo. O indivíduo tem uma percepção do meio ambiente limitada pela sensibilidade exteroceptiva. Tanto a percepção interna como a percepção do meio ambiente estão confinadas dentro de limites espaço-temporais específicos (S. Grof, 1983). Além disso, o estado “normal”, comum, desperto, é caracterizado pela lógica, pela racionalidade, pelo pensamento de causa-e-efeito, pelo objectivo direccionado e pela sensação de se estar no “controlo” da actividade mental. O pensamento “reflexivo” ocupa, aqui, um lugar de destaque. Noutras palavras, o indivíduo percebe-se como uma unidade que experimenta (Krippner, 1993). Em suma, no estado usual (ordinário) de consciência (o-SoC - ordinary state of consciousness), assimilamos e interpretamos as informações que nos são transmitidas pelos nossos sentidos em unidades de significância. Olhamos o mundo ao nosso redor e os nossos olhos seleccionam certas informações, as quais “arquivamos” (memorizamos) como um quadro parcial da realidade física. Os nossos sentidos não são capazes de apreender o todo processual e dinâmico do nosso modo de existir, no nosso universo interno e externo. Vemos o mundo como composto de muitos objectos diferentes, mais ou menos estáticos, os quais estão separados uns dos outros por espaço e, consequentemente, tornamo-nos conscientes de um filme interior (produto do processo de recognição) (Matos, 1994).
Segundo Tart (1995), as estruturas psicológicas têm características individuais que limitam e dão forma às maneiras como podem interagir umas com as outras. Assim, o biocomputador humano tem um número amplo, mas limitado de modalidades possíveis de funcionamento. Além disso, cada pessoa nasce numa cultura particular que selecciona e desenvolve um pequeno número desses potenciais, rejeita outros, e ignora muitos deles. O pequeno número de potenciais experienciais seleccionados pela nossa cultura, somado a outros factores casuais, constitui os elementos estruturais a partir dos quais é construído o nosso estado comum de consciência.
Simões (1997a) realça também que, contrariamente ao suposto geralmente, o estado habitual de consciência, em vigília, não é o mais estável, podendo mesmo ser considerado como não-usual, impossível de manter por longo período de tempo, sendo isso conseguido através de um input de estímulos perceptivos exteriores e proprioceptivos, a que se junta um discurso contínuo interior.
Em termos gerais, um estado modificado de consciência (EMC), pode ser definido como um estado mental que pode ser subjectivamente reconhecido, por um indivíduo ou por um observador objectivo desse indivíduo, como representando uma diferença no funcionamento psicológico daquele estado “normal”, alerta e desperto do indivíduo (Krippner, 1993). No entanto, é de realçar que um EMC não é definido por um conteúdo particular da consciência, por um comportamento ou por uma modificação fisiológica, mas em termos do seu padrão total (Tart, 1991).
A designação altered states of consciousness, foi utilizada pela primeira vez por Charles Tart no final dos anos 50 (Drouot, 1996). O mérito de Tart foi isolar os estados modificados de consciência provocados pelas drogas, alargando o fenómeno da expansão da consciência a um grande número de fenómenos como a meditação, o Yôga, os sonhos lúcidos, a auto-hipnose, o transe, os estados de êxtase, as vivências místicas, etc. (Descamps, 1997a). Contudo, segundo Simões (1997a), a expressão estados alterados de consciência (EAC) justifica-se apenas quando existe obnubilação de consciência. Assim, na sua opinião (Simões, 1997c), «estados modificados de consciência» é a tradução preferível da designação anglo-saxónica altered states of consciousness.
No entanto, para Tart (1995), os termos estado de consciência (EC) e estado modificado de consciência (EMC) passaram a ser usados de maneira demasiado imprecisa, significando qualquer coisa em que se pense no momento em que são experimentados. Por isso, este autor propõe os novos termos: «estado distinto de consciência», «estado básico de consciência» e «estado distinto modificado de consciência», para uma maior precisão. Um estado distinto de consciência (d-SoC - discrete state of consciousness) é um padrão ou configuração dinâmica singular de estruturas psicológicas, um sistema activo de subsistemas psicológicos. Embora as estruturas/subsistemas componentes mostrem algumas variações entre si no interior de um estado distinto de consciência, as propriedades do padrão geral, do sistema geral, são reconhecivelmente as mesmas. Apesar da variação subsistémica e ambiental, um d-SoC é estabilizado por alguns processos, mantendo assim a sua identidade e função. São exemplos de d-SoC: o estado desperto comum, o sono sem sonhos, o sono com sonhos, a hipnose, a intoxicação alcoólica e por canabinóides (e.g., haxixe), e os estados de meditação. Quanto ao estado distinto modificado de consciência (d-ASC - discrete altered state of consciousness), refere-se a um d-Soc que difere de algum estado básico de consciência (b-SoC - baseline state of consciousness). Em geral, o estado normal de vigília é considerado o estado básico. Um d-ASC é um novo sistema de características singulares próprias, o que implica uma reestruturação da consciência. “Modificado” é usado como termo puramente descritivo, sem ter valores agregados a si.
Os estados modificados de consciência caracterizam-se por um decréscimo na capacidade de autocontrole e da lógica, por mudanças na percepção do «eu» (Fernald, 1997), por alterações espectaculares da percepção ao nível sensorial e ao nível emocional, por importantes manifestações psicossomáticas, e por profundas modificações do pensamento e do comportamento, no sentido de uma libertação, de uma expansão, de uma abertura a nós próprios e ao mundo que nos rodeia (S. Grof, 1997).Para Dittrich (1997), as características gerais dos estados modificados de consciência, podem resumir-se nos seguintes pontos:
1. Representarem um desvio do habitual estado de consciência do indivíduo saudável, quanto ao seu funcionamento psicológico ou percepção subjectiva, não apenas ao nível da coordenação motora, mas igualmente quanto à consciência de si mesmo e no relacionamento com o mundo, como que constituindo uma realidade separada no tempo e no espaço;
2. Durarem apenas uma ou poucas horas ao contrário das perturbações psiquiátricas;
3. Poderem ser auto-induzidos ou, pelo menos, de indução voluntariamente aceite;
4. Ocorrerem “normalmente”, não sendo o resultado de doença ou de circunstâncias sociais adversas;
5. Serem considerados “irracionais”, “anormais”, “exóticos” ou até “patológicos” pelas normas sociais dominantes na sociedade ocidental.
Na génese dos conteúdos dos EMC encontra-se um processamento da informação resultante da experiência, sendo aquela tratada como material ambíguo, temporariamente presente, condicionado pelo seu conhecimento prévio e por esquemas cognitivos. Outros factores intervenientes são a análise estrutural e semântica, por comparação com informação previamente armazenada. Contudo, é de realçar que, no EMC não ocorre apenas uma perturbação cognitiva, mas também uma alteração do humor ou afecto. No fundo, trata-se de uma vivência, em que a totalidade da personalidade é envolvida e por isso susceptível de modificar as cognições (Simões, 1997a).
Estes estados de consciência podem ser produzidos naturalmente (e.g., sono, sonho) ou através de esforços intencionais, tais como, danças, meditação, hipnose, ou ingestão de drogas (Davidoff, 1983; Fernald, 1997). Portanto, os EMC podem ser induzidos por processos naturais, psicológicos, ou por agentes exógenos, o que aponta para uma base psicofisiológica deste fenómeno (Simões, 1997a).
De acordo com Simões et al. (1986), os agentes de indução mais importantes de estados modificados de consciência, são:
1. Alucinogéneos de primeira ordem: mescalina; LSD (dietilamida do ácido lisérgico, ou apenas, «ácido»); psilocibina; N,N-dimitiltriptamina (DMT); e o 9-THC, a substância activa do haxixe e da marijuana;
2. Alucinogéneos de segunda ordem: escopolamina; gás hilariante (óxido nitroso); muscimol, a substância activa do amanita muscaria (espécie de cogumelo venenoso). O seu efeito é caracterizado, frequentemente, por obnubilação da consciência e, mais raramente, por alucinações cénicas;
3. Redução dos estímulos do meio externo ou contactos ambientais, em sentido lato, o que inclui: a privação sensorial; estados hipnagógicos; hipnose; técnicas auto-hipnóticas como o Treino Autogéneo de Schultz; e técnicas de meditação;
4. Aumento dos estímulos do meio ou contactos ambientais (inundação ou sobrecarga de estímulos sensoriais). Há basicamente dois tipos diferentes: (1) uma estimulação intensa monótona e rítmica de vários órgãos sensoriais; e (2) “bombardeamento” sensorial com estímulos muito variáveis.
Outros agentes que provocam estados modificados de consciência, que não encaixam neste esquema são, por exemplo, a combinações de diferentes destas técnicas, a hiperventilação, a privação de sono (Dittrich, 1997), a provocação de sentimentos mais fortes, quer de tipo negativo (medo, dor, abandono) quer de tipo positivo (protecção, sentimentos de auto-estima e felicidade, elegibilidade, condescendência, corrente de força), a fome, o jejum, o frio, o calor, o jogging, o alpinismo, o mergulho (Scharfetter, 1999), ou um esforço físico extremo (S. Grof & C. Grof, 1995b).
Pensamos que na prática de Karate-Do, a concentração intensa na actividade física, o aumento do ritmo respiratório, os mesmos elementos que também estão comprometidos com técnicas meditativas, e também a pressão exercida pelo perigo de sofrer algum dano físico, podem ser os desencadeadores de um estado modificado de consciência.
Contudo, C. Grof e S. Grof (1994) salientam que, a grande série de aparentes factores desencadeadores de estados modificados de consciência, sugere claramente que a vontade das pessoas em vivenciá-los, é muito mais importante do que a existência de estímulos externos.
Os EMC podem também surgir de modo espontâneo, sem causa específica discernível, muitas vezes contra a vontade da pessoa a quem acontecem. Além disso, todas as pessoas têm - pelo menos duas vezes por dia - a experiência de estados modificados de consciência: no momento de adormecer (estado hipnagógico) e no momento de acordar (estado hipnopômpico). É entre a vigília e o sono que se encontra um espaço privilegiado em que podemos ter sonhos, determinadas visões e determinadas percepções (Baudin & Tora, 1997).
Os estados modificados de consciência apresentam características precisas, compreensíveis e verbalizáveis, que ocorrem raramente durante o estado de vigília “normal” (Simões, 1997c). O número de características diferenciais determina a posição de um EMC, segundo escalas, que vão do estado de consciência normal ao EMC extremo (Simões et al., 1986).
Os estados modificados de consciência têm um conjunto de pontos comuns (conteúdos), independentemente do modo como são induzidos. A um nível dimensional, significa que os EMC têm em comum determinadas dimensões principais, independentemente da sua origem ou intensidade (Simões, 1997a). Estas dimensões são designadas por: «Auto-ilimitação Oceânica», «Autodissolução Angustiante» e «Reestruturação Visionária» (Simões et al., 1986).
A teorização dos estados modificados de consciência rompe com os paradigmas da lógica formal, nomeadamente da continuidade espaço-tempo, da contradição, da causalidade linear, da psicologia da consciência do Eu (vitalidade, actividade, consistência ou unidade, demarcação, identidade), etc., mas também com o pressuposto da consciência como produto exclusivo do cérebro (Simões, 1997a).
Sob a influência de Descartes, o pensamento moderno surge profundamente marcado pela problemática da consciência (Logos - Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia, 1991). Desta forma, a consciência constituiu, nos finais do século XIX, o próprio objecto de estudo da Psicologia científica nascente (Davidoff, 1983; Fernald, 1997; Simões, 1992), seja o estudo dos estados (fenómenos) de consciência ou a sua substância e essência (Simões, 1992), com os psicólogos Wilhelm Wundt (1832-1920) de nacionalidade alemã, e William James (1842-1910), de nacionalidade americana, embora acessível apenas através da auto-observação, o método introspectivo (Davidoff, 1983).
Nesse tempo, a luta de muitos dentre os primeiros psicólogos para darem à nova disciplina um estatuto de Ciência levou-os a procurarem "assemelhá-la”, na metodologia e na maneira de pensar a realidade, às ciências naturais então prevalecentes. Nasceram, neste contexto, algumas linhas principais de estudo e de trabalho prático com o ser humano, nomeadamente: (1) o Comportamentalismo; (2) a Psicanálise; e (3) o Cognitivismo (Rodrigues, 1999).
Em 1913, o psicólogo norte-americano John Watson (1878-1958), influenciado pelos trabalhos do fisiólogo russo Ivan Pavlov (1849-1936) sobre respostas condicionadas (Chaplin, 1981), opõe-se à Psicologia como «ciência da consciência» e funda o Behaviorismo (às vezes designado por Condutismo, Comportamentalismo ou Comportamentismo) (E. Pestana & Páscoa, 1998), que viria a tornar-se a “Primeira Força” em Psicologia (Ferraz, 1993). Watson considerava a consciência como muito subjectiva para a investigação psicológica, uma vez que os fenómenos com ela relacionados não podiam ser observados e medidos objectivamente (Davidoff, 1983; Fernald, 1997). Por conseguinte, para o Behaviorismo, a Psicologia só podia ter como objecto de estudo o comportamento (inglês U.S.A., behavior) (E. Pestana & Páscoa, 1998). Investigadores behavioristas “respeitáveis” focalizavam a atenção quase que exclusivamente nos estímulos e respostas e ignoravam as actividades internas que intervinham entre os dois (Davidoff, 1983).
Entretanto, a Psicanálise, cujo fundador foi o austríaco Sigmund Freud (1856-1939), começa a ganhar uma reputação internacional a partir de 1909 (Fernald, 1997), tornando-se a “Segunda Força” em Psicologia (Ferraz, 1993). Esta corrente da Psicologia concentrou-se essencialmente nas experiências da infância, nas pulsões sexuais e na sexualidade como fonte da dinâmica psicológica, na tentativa de compreensão da personalidade humana, bem como na origem inconsciente das neuroses (E. Pestana & Páscoa, 1998).
No início dos anos 60, alguns psicólogos norte-americanos começaram a revoltar-se contra o velho modelo behaviorista. Insistiam no facto de que a Psicologia tinha que compreender o que se estava a passar dentro da “caixa-negra” - em particular as operações da mente. Assim, na sequência e em reacção ao Behaviorismo, surgiu o Cognitivismo ou Psicologia Cognitiva (Davidoff, 1983). Esta corrente baseia-se no princípio que os indivíduos reagem não directamente a estímulos, mas à representação (cognição) que elaboram da situação, sendo estas representações reguladas segundo os princípios da aprendizagem (E. Pestana & Páscoa, 1998). Desta forma, o Cognitivismo valoriza o papel dos processos de conhecimento (vulgarmente designados, de modo menos exacto, por processos mentais) e a influência destes na vida emocional e no comportamento humanos (Rodrigues, 1999). Nesta forma de abordagem - neobehaviorismo - destacaram-se nomes como E. Tolman, J. Dewey, J. Bruner, D. Ausubel, J. Rotter, H. Gardiner e A. Bandura (E. Pestana & Páscoa, 1998).
Contudo, a partir da década de 30, vários psicólogos norte-americanos ou aí residentes, em reacção ao determinismo e mecanicismo das concepções então dominantes: Behaviorismo e Psicanálise, começam a formular uma “Terceira Força” em Psicologia: a Psicologia Humanista (E. Pestana & Páscoa, 1998) ou “Movimento do potencial humano” (Davidoff, 1983). Alguns teóricos de renome, com especial destaque para nomes como Carl Rogers, Abraham Maslow, Roberto Assagioli, Aldous Huxley e Kurt Goldstein, consideraram que a Psicologia estava a desvalorizar o ser humano nas suas possibilidades e a estudá-lo de modo excessivamente analítico sem valorizar devidamente áreas que, embora difíceis de estudar cientificamente, tinham uma importância crucial para a consideração do humano. Desta forma, a Psicologia Humanista enfatiza o potencial humano, a autenticidade, a liberdade humana, a importância da consciência existencial, da auto-realização, da criatividade e da auto-transcendência (Rodrigues, 1999). Em suma, os seus adeptos procuraram “humanizar a Psicologia”, isto é, quiseram fazer da Psicologia o estudo daquilo que “significa estar vivo como ser humano” (Davidoff, 1983). A definição desta nova corrente foi escrita em 1957 por Abraham Maslow, tendo sido incluída na introdução do primeiro número do Journal of Humanistic Psychology, publicado em 1961 (Sutich, 1991).
Entretanto, alguns psicólogos humanistas verificaram que determinadas experiências humanas pareciam estar fora das considerações e das possibilidades explicativas dos modelos então vigentes - até mesmo do modelo humanista. Experiências de pico, de criatividade artística, de êxtase, de percepção excepcionalmente clara, de amor, espiritualidade, transcendência dos estados normais de consciência e de auto e hetero percepção…Experiências que, longe de parecerem momentos de delírio ou ilusão, tendiam a coincidir com um bem-estar excepcional e com um reforço da saúde mental de muitos dentre os que passavam por elas. Algumas destas experiências podem fornecer àquele que a vivenciou ideais, visões e aspirações marcantes, que tanto podem influenciar a sua vida pessoal quanto, até, a vida da sociedade em que está inserido (Rodrigues, 1999). Assim, também a partir da década de 60, começou a notar-se nos meios científicos, particularmente nos Estados Unidos da América, um aumento do interesse pelos chamados estados modificados de consciência (EMC) (Weil, 1976).
Este despertar do interesse pelo estudo dos estados modificados de consciência deve-se a várias condições:
1. A década de 60 caracterizou-se nos países ocidentais, particularmente nos Estados Unidos da América, como um período de contínuas e intensas manifestações de carácter revolucionário político-cultural. As contínuas manifestações de oposição ao “sistema” características da época e o frontal questionamento dos valores tradicionais da cultura ocidental, levaram significativos segmentos sociais - médicos, educadores, industriais, políticos, cientistas, religiosos -, conscientes ou não, a criarem condições para o surgimento de uma cultura alternativa, que enfatiza a renovação social através da modificação da consciência individual e colectiva - a mudança de dentro para fora (Tabone, 1995);
2. Os movimentos estudantis, que surgiram nos Estados Unidos da América, no começo dos anos 60, e que posteriormente se alargaram à Europa Central (com excepção dos países do bloco comunista), iniciaram uma procura pessoal de estados modificados de consciência, usando para isso marijuana, LSD e técnicas de meditação orientais (Simões et al., 1986);
3. Estudos etnológicos mostraram que, em 90% das sociedades citadas no Atlas Etnográfico, a provocação de EMC está institucionalizada para certos acontecimentos sociais. Assim, pode falar-se de uma “constante de base antropológica” (Simões et al., 1986);
4. Na investigação psiquiátrica, os EMC ganharam significado, em relação com hipóteses sobre a etiologia e terapia de doenças psiquiátricas (e.g., a «psicose modelo» ou a «terapia psicolítica») (Simões et al., 1986);
5. Os estados modificados de consciência atraíram a atenção de numerosos fisiologistas e psicólogos americanos, que trouxeram a sua pesquisa para o campo da Psicofisiologia. A utilização do electroencefalógrafo focou a relação entre os mecanismos cerebrais e a consciência em geral. Desta forma, na prática clínica o electroencefalograma (EEG) passou a ser frequentemente utilizado, pois traduz uma evidência neurofisiológica de perturbações na consciência (Hirai, 1989);
6. Os trabalhos do físico alemão Albert Einstein (1879-1955) e de outros físicos, colocaram em evidência a existência de dimensões fora do tempo e do espaço, de antimatéria e mesmo de antiuniversos (Weil, 1976);
7. As viagens espaciais excitaram a imaginação do público sobre estes assuntos, provocando indagações sobre a posição do Homem no cosmos (Weil, 1976);
8. A facilidade de comunicações aproximou o Oriente do Ocidente e inúmeras pesquisas psicofisiológicas colocaram em destaque as modificações somáticas, mais particularmente bioeléctricas, de praticantes de Yôga, Zen e outras técnicas de meditação orientais (Weil, 1976);
9. Chegou-se à conclusão que ao eliminar a consciência da Psicologia entramos de maneira firme e definitiva no círculo do biologicamente absurdo. Fecha-se para sempre o acesso à investigação dos problemas mais transcendentais, como a estrutura do nosso comportamento, dos seus componentes e formas. Estamos condenados para sempre a manter a falsa concepção de que o comportamento é uma soma de reflexos (Vigotski, 1996);
10. Segundo Tart (1995), a possibilidade de descobrir e desenvolver potenciais humanos latentes, que estão fora da norma cultural, por meio da entrada num estado modificado de consciência e da reestruturação temporária da consciência, constitui a base do grande interesse por estes estados.
Desta forma, começou a desenvolver-se nos Estados Unidos da América, no seio da Psicologia Humanista, uma “Quarta Força” em Psicologia: a Psicologia Transpessoal, que acabaria por ser oficializada em 1968 por Abraham Maslow, Viktor Frankl, Stanislav Grof e James Fadiman, após o Behaviorismo-Cognitivismo, a Psicanálise e a Psicologia Humanista, integrando todas estas (Simões, 1997c). “Transpessoal” (literalmente: “além do pessoal” ou “além da personalidade”) significa transcender o modo usual de perceber e interpretar o mundo a partir de uma posição de ego individual ou ego corporal (C. Grof & S. Grof, 1994). Isto é, alguns destes estados modificados de consciência levam o indivíduo a sentir que transcendeu, que foi além do que costuma conhecer como a sua pessoa, o seu eu pessoal, para se percepcionar como uma realidade muito mais ampla (Rodrigues, 1999). Em 1969, foi publicado o primeiro número do Journal of Transpersonal Psychology, editado por Anthony Sutich; e desde 1992, a Divisão 32 da APA (American Psychological Association) - Psicologia Humanista, passou a incluir uma orientação transpessoal nas suas actividades (Chinen, 1996).
Assim, a Psicologia Transpessoal pode ser considerada, de certo modo, como uma consequência lógica e natural do Movimento Humanista pois os seus fundadores são, em boa medida, os mesmos (Rodrigues, 1999). De facto, Maslow (1973), um dos fundadores da Psicologia Humanista, estava muito consciente de que esta era apenas transitória, uma preparação para uma “Quarta Psicologia” ainda mais “elevada”, uma psicologia transpessoal, transumana, centrada mais no Cosmos do que no bem-estar e necessidades humanas, que transcenda a natureza do Homem, sua identidade, auto-realização e quejandos.
A actual popularidade das religiões orientais no Ocidente em parte reflecte a sua abordagem menos teológica e mais psicológica da natureza humana, oferecendo técnicas claramente definidas, voltadas para o desenvolvimento psicológico e espiritual (Fadiman & Frager, 1986). De acordo com Wilber (1998), chamamos “desenvolvimento psicológico” a uma amálgama de diferentes linhas de desenvolvimento, incluindo a linha da identidade pessoal (geralmente chamado “desenvolvimento do ego”), a linha dos mecanismos de defesa, a linha do desenvolvimento interpessoal e a linha do afecto. Quanto ao “desenvolvimento espiritual”, diz respeito aos estágios supramentais e transpessoais de qualquer das linhas de desenvolvimento: afecto transpessoal (bem-aventurança), consciência transpessoal (supraconsciente), Eu transpessoal, interpessoal transpessoal (compaixão), cognição transpessoal (e.g., prájña, jñána do Yôga) e estados transpessoais (e.g., nirvikalpa samádhi do Yôga ou nirvana do Budismo). Em resumo, “psicológico” tende a significar “mental e pessoal”, e “espiritual” tem o sentido de “supramental e transpessoal”.
Segundo Tabone (1995), a cartografia da psique humana proposta por Ken Wilber é considerada a principal teorização no campo da Psicologia Transpessoal. Wilber (1990) tentou fazer uma síntese do que denominamos, as perspectivas “oriental” e “ocidental” da compreensão da consciência. De acordo com esta proposta, a consciência caracteriza-se por uma multiplicidade de aspectos, ou seja, é composta de numerosas faixas ou níveis “vibratórios”, em analogia com o «espectro electromagnético».
De acordo com Wilber (1990), dentro de um número infinito de níveis possíveis, que se tornaram acessíveis através das revelações da Psicanálise, do Budismo Yôgacara, do Hinduísmo Vêdánta, da Terapia da Gestalt, do Budismo Tântrico Vajrayana, da Psicossíntese e quejandos, três faixas principais (Nível do Ego; Nível Existencial; e, Nível da Mente) e quatro menores (Nível Transpessoal; Nível Biossocial; Nível Filosófico; e, Nível da Sombra), foram escolhidas com base na sua simplicidade e facilidade de identificação. O Nível do Ego é a faixa da consciência que compreende o nosso papel, a imagem que temos de nós mesmos, com os seus aspectos conscientes e inconscientes, bem como a natureza analítica e discriminativa do intelecto, da nossa “mente”. O Nível Existencial envolve o nosso organismo total, tanto o «soma» quanto a «psique» e, assim, compreende o nosso sentido básico de existência, de “ser”, a par com as nossas premissas culturais, que modelam de muitas maneiras esta sensação básica de existência. Entre outras coisas, o Nível Existencial forma o referencial sensorial da nossa auto-imagem. Forma, em suma, a fonte persistente e irredutível de uma consciência separada do Eu. Quanto ao Nível da Mente, costuma ser cognominado «consciência mística» ou «consciência cósmica» e inclui a sensação de nos identificarmos fundamentalmente com todo o universo, o Eu Absoluto. Assim sendo, o Nível do Ego inclui a mente, o Nível Existencial inclui a mente e o corpo e, o Nível da Mente inclui a mente, o corpo e o resto do universo. Em poucas palavras, o Nível do Ego é o que sentimos quando nos sentimos pai, mãe, advogado, homem de negócios, americano ou qualquer outro papel ou imagem particular. O Nível Existencial é o que sentimos “debaixo” da nossa auto-imagem, ou seja, é a sensação de existência organísmica total, a convicção íntima de que existimos como sujeito separado de todas as nossas experiências. O Nível da Mente é o que sentimos antes de sentirmos qualquer outra coisa - uma sensação de identificação com o universo.
Segundo Wilber (1990), cada escola de psicologia, de psicoterapia ou cada religião, tem como referência um determinado nível de consciência. Assim, os conflitos que surgem entre as abordagens psicoterapêuticas ocidentais e orientais são justificados, uma vez que cada uma delas está a trabalhar num nível de consciência diferente. As psicoterapias ocidentais visam “remendar” o eu individual, ao passo que as abordagens orientais propõem que ele seja transcendido. O Nível do Ego e o Nível Existencial constituem, juntos, a nossa sensação geral de sermos um indivíduo existente por si mesmo e separado dos outros. Foi a esses níveis que a maioria das abordagens psicoterapêuticas ocidentais se dirigiu. Por outro lado, as disciplinas orientais, via de regra, ocupam-se mais do Nível da Mente e, porventura, tendem a passar ao largo dos níveis da egocentricidade, pois sustentam que o ego, por si mesmo, é a própria origem de todo o sofrimento do mundo e que, dessa maneira, um ego “saudável” será na melhor das hipóteses uma contradição e na pior uma cruel brincadeira. No entanto, a imensa maioria das pessoas, sobretudo na sociedade ocidental, não está pronta a realizar, nem disposta a procurar experiências cósmicas/de fusão e tão-pouco é capaz de fazê-lo, pelo que não deve ser empurrada para uma aventura desse tipo. Qualquer coisa como um simples aconselhamento que visasse integrar projecções sobre o Nível do Ego bastaria em muitos casos. Por conseguinte, as abordagens ocidentais da Psicologia do Ego seriam perfeitamente legítimas nesses níveis.
A Psicologia Transpessoal apresenta-se, hoje, como um dos campos da Psicologia que estão em pleno desenvolvimento, apontando para uma concepção do ser humano que, por não o reduzir a um organismo biológico condicionado e determinado pela sua própria biologia e meio ambiente, o recoloca na posição de ser livre e dono de possibilidades insuspeitas (Rodrigues, 1999). A dimensão transpessoal foi de importância central na maioria das sociedades e culturas através da história. Portanto, é um reflexo da imaturidade da Psicologia, e não de sua sofisticação, o facto dela ter dedicado maior esforço à compreensão da doença humana do que à transcendência humana (Fadiman & Frager, 1986). No entanto, a Psicologia Transpessoal não contradiz, antes pretende complementar as aquisições da Psicologia em geral - que são preciosas. O que este sistema de Psicologia pretende, isso sim, é ampliar a nossa noção de ser humano para nela incluirmos faixas de experiência e vivência que podem contribuir poderosamente para dar mais sentido à nossa existência (Rodrigues, 1999).
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