Quarta-feira, 22 de Agosto de 2007

Experiências Transpessoais

S. Grof (1983, 1991) dirigiu pessoalmente mais de 2000 sessões de pesquisa experimental em psicoterapia com emprego de LSD e de outras substâncias psicodélicas, e além disso, teve acesso a gravações de mais de 1300 sessões realizadas por outros psiquiatras na Europa e Estados Unidos da América. Inicialmente, a maioria dos sujeitos recebia repetidas dosagens médias de LSD (100-250 microgramas), dentro da estrutura da psicoterapia com orientação psicanalítica (a abordagem psicolítica). No tratamento psicolítico, as sessões de LSD são realizadas após duas ou três semanas de psicoterapia preparatória. Uma série psicolítica consiste em 15-80 sessões, geralmente com um intervalo de 1-2 semanas entre elas. Uma ajuda psicoterapêutica intensiva foi oferecida aos pacientes durante as sessões, como também no intervalo entre elas. Este método representa uma intensificação e aceleração da psicoterapia dinâmica. De acordo com a natureza do material inconsciente emergente, foram utilizadas as abordagens freudiana, rankiana ou junguiana em vários estágios do tratamento. Mais tarde, foram usadas altas dosagens de LSD (300-500 microgramas) num ambiente e numa perspectiva especiais, que visavam a facilitação de experiências “místicas” (a abordagem psicodélica). Nesta última abordagem, o uso de vendas visuais, de auscultadores estereofónicos e de músicas especialmente seleccionadas, foi uma parte importante no processo de tratamento. A maioria dos sujeitos da amostra eram pacientes portadores de uma grande variedade de problemas emocionais, tais como, perturbações de ansiedade, problemas psicossomáticos, psicoses fronteiriças (borderline) e diversas formas de esquizofrenia, distúrbios sexuais, alcoolismo e dependência em narcóticos. Uma outra ampla categoria destes sujeitos, foi a dos voluntários “normais” - psiquiatras, psicólogos, estudantes, enfermeiras, pintores, escultores, músicos, filósofos, cientistas, padres e teólogos. Uma pequena parcela das sessões foi realizada com pacientes que sofriam de uma doença terminal e defrontando-se com uma morte iminente, principalmente doentes cancerosos.

Com base nas suas observações, S. Grof (1983) apresenta uma cartografia da psique humana, na qual o inconsciente é formado por vários níveis, correspondendo a cada um deles um determinado tipo de experiência:

 

            · Experiências abstractas e estéticas;

            · Experiências psicodinâmicas;

            · Experiências perinatais;

            · Experiências transpessoais.

 

As experiências abstractas e estéticas constituem o nível mais superficial da experiência LSD. Elas não revelam o inconsciente do sujeito e são desprovidas de significação psicodinâmica. Os aspectos mais importantes destas experiências são compreensíveis em termos fisiológicos como o resultado de uma estimulação química dos órgãos sensoriais, reflectindo a sua estrutura interna e as suas características funcionais. Contudo, as visões geométricas e decorativas ou ainda as ilusões acústicas elementares, apresentam às vezes alguma conotação afectiva específica (S. Grof, 1983).

As experiências psicodinâmicas encontram a sua origem nas diferentes zonas do inconsciente individual, assim como nas regiões da personalidade acessíveis durante os estados de consciência usuais. Elas estão ligadas a recordações marcantes, a problemas emocionais, a conflitos irresolvidos, e a um material oculto que corresponde a diversas épocas da vida do indivíduo. A maioria dos fenómenos que se produzem a este nível pode ser interpretado e compreendido em termos psicodinâmicos. No entanto, a descrição deste tipo de experiências implica dois requisitos: (1) um conhecimento dos princípios de base da dinâmica inconsciente tal como descritos por Sigmund Freud, fundador da Psicanálise (em particular, os mecanismos do sonho); (2) uma familiaridade com certas características específicas do estado LSD e com a sua linguagem simbólica (S. Grof, 1983).

O elemento central das experiências perinatais diz respeito aos problemas do nascimento biológico, do sofrimento e da angústia física, do envelhecimento, da doença e da morte. A confrontação dolorosa com estes aspectos críticos da existência humana e a tomada de consciência da fragilidade e da impermanência do Homem enquanto criatura biológica, são acompanhadas inevitavelmente de uma terrível crise existencial. O principal elemento filosófico que acompanha as experiências perinatais, é a revelação de que o nascimento é semelhante à morte. Este reencontro chocante, tanto no plano emocional como no físico, com o fenómeno da morte, tem como consequência o desenvolvimento de novas regiões de experiências espirituais e religiosas que parecem ser uma parte intrínseca da personalidade humana e são independentes da bagagem cultural e religiosa do indivíduo. Mesmo os materialistas convencidos, os cientistas positivistas, os cépticos e os cínicos, os ateus intransigentes e os inimigos da religião (e.g., alguns filósofos materialistas e naturalistas), passam a interessar-se pela busca espiritual depois de terem enfrentado pessoalmente estes níveis (S. Grof, 1983).

Quanto às experiências transpessoais, elas abarcam um conjunto de fenómenos muito vasto e de múltiplas facetas, no entanto, têm um denominador comum: envolvem a expansão ou extensão da consciência além das limitações usuais do ego e das limitações de tempo e/ou espaço, i.e., o conteúdo de uma experiência transpessoal particular vai além dos elementos do mundo fenomenal tridimensional (ou «realidade objectiva»), que nós conhecemos nos estados de consciência usuais (S. Grof, 1983). Tipicamente, estes estados desenvolvem-se em quatro diferentes níveis: sensório, evocativo-analítico, simbólico e integral. No nível sensório, há relatos subjectivos de alterações do espaço, do tempo, da imagem do corpo e das impressões sensórias. No nível evocativo-analítico, surgem ideias e pensamentos novos acerca das psicodinâmicas do indivíduo ou acerca da concepção do mundo e do seu papel nele. No nível simbólico, há uma identificação com personalidades históricas ou lendárias, com a recapitulação evolucionária ou com símbolos míticos. No nível integral (que, comparativamente, poucos indivíduos atingem), há uma experiência de consciência cósmica, experiência máxima, experiência religiosa e/ou mística, na qual Deus (ou a “Base do Ser”) é confrontado ou então ocorre uma sensação subjectiva de dissolução no campo energético do Universo (Krippner, 1993).

S. Grof (1983) concluiu que as experiências transpessoais representam fenómenos sui generis, originados em níveis profundos do inconsciente, que não foram percebidos nem reconhecidos nas sessões psicanalíticas clássicas. Os elementos transpessoais dominam todas as sessões LSD a seguir à experiência final de morte/renascimento. Estas experiências não são explicáveis em termos freudianos e os seus conteúdos não podem ser reduzidos a qualquer outra categoria de elementos psicodinâmicos. Todavia, S. Grof reconhece que o modelo da psique desenvolvido por Carl Gustav Jung (1875-1962), fundador da Psicologia Analítica, já englobava este nível do inconsciente, ao propor o conceito de «inconsciente impessoal, suprapessoal ou colectivo». Para Jung (1995), o inconsciente pessoal nada mais é do que uma camada que assenta numa base de natureza inteiramente diversa: o inconsciente colectivo. A razão desta denominação está na circunstância de que, ao contrário do inconsciente pessoal e das suas imagens meramente pessoais, os conteúdos do inconsciente mais profundo (os arquétipos) são de natureza nitidamente mitológica e são totalmente universais. Isto significa que essas imagens coincidem, quanto à sua forma e ao conteúdo, com as representações primitivas universais que se encontram na raiz dos mitos. No entanto, isso não quer dizer, em absoluto, que essas imaginações sejam hereditárias; hereditária é apenas a capacidade de ter tais imagens, o que é bem diferente.

No entanto, S. Grof (1991) realça que deve ser feita uma distinção entre os estados modificados de consciência (EMC) e as experiências transpessoais. O termo estados modificados de consciência inclui as experiências transpessoais, mas existem certos tipos de experiências que podem ser qualificados de estados modificados de consciência, que não atingem o critério para serem catalogadas como transpessoais. São exemplos de EMC, não necessariamente transpessoais: as experiências de revivência vívida e complexa de uma memória infantil; vários jogos de fantasia e experiências simbólicas resultantes do uso de técnicas de fantasias afectivas induzidas; e as experiências primariamente estéticas, envolvendo visões de cores, de padrões ornamentais e de estruturas geométricas, em sessões psicodélicas.

 

 

 

 

 
publicado por alexandreramos às 13:58
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