Sábado, 25 de Agosto de 2007

Hipóteses sobre as relações entre o espírito e o cérebro

De acordo com Gastó (1998a), a consciência deve ser considerada um fenómeno biológico, contudo, à diferença de outros (e.g., a digestão), apresenta características difíceis de objectivar. Uma destas características diferenciadoras é o que chamamos «subjectividade», ou a «consciência privada da pessoa», que não somente os actos (verbais e motores) que podemos observar. Classicamente esta autoconsciência tem sido identificada, em termos psicológicos e fenomenológicos, com o «eu» ou «si-mesmo». Na aproximação racional ao tema da consciência (especialmente da autoconsciência) é possível identificar, entre outras, quatro explicações: (1) o interaccionismo cartesiano, aceita um domínio físico (cérebro) e outro mental (consciência) com leis independentes. De acordo com esta perspectiva, um efeito no domínio físico da percepção induz um determinado estado cerebral que por sua vez facilita uma experiência (na consciência). Não obstante, a decisão que o organismo toma considera-se independente de um segundo estado cerebral. São as leis que regem a experiência consciente (e.g., libre arbítrio, condicionamento, etc.) que condicionam a resposta comportamental; (2) o epifenomenalismo, por seu lado, apesar de aceitar a existência destes dois domínios, defende que as leis que os regem dependem exclusivamente do domínio cerebral. Portanto, esta perspectiva aceita a existência de algo que comummente denominamos consciência (mente, actividade cognoscível, etc.), apenas por imperativos da nossa linguagem comum, pois ela não possuiria leis distintas daquelas que a ciência possa descobrir do estudo do cérebro; (3) o paralelismo, aceita uma estrita correspondência entre fenómenos da consciência e fenómenos cerebrais. Esta teoria sustém igualmente uma correlação psiconeural entre processos cognoscíveis e módulos neuronais (neo-localizacionismo); e, por último (4) as teorias da identidade (também designadas por teorias da identidade psicofísica ou teorias do estado central. Por exemplo: interaccionismo emergente; panpsiquismo identitário; fisicalismo; biperspectivismo; materialismo emergentístico), subsidiária das anteriores, defende que a distinção entre sucessos mentais e físicos é tão só uma forma de empregar duas linguagens distintas a um mesmo fenómeno. Aceita a possibilidade de falar de fenómenos mentais, mas, diferentemente do paralelismo, considera que na realidade estamos a falar de estados cerebrais definidos segundo uma linguagem «mentalista». Para além destas, segundo Eccles (2000), podemos considerar: (1) o materialismo radical: é negada a existência de processos conscientes e estados mentais. O Behaviorismo radical dá uma explicação completa do comportamento, compreendendo o comportamento verbal e as «disposições» (estados afectivos ou intenções) que a ele conduzem; (2) o panpsiquismo: a princípio associada à matéria numa espécie de estado protopsíquico, a consciência evolui à medida que aumenta a complexidade do cérebro até surgir como a consciência de si associada ao cérebro. A consciência forma assim um paralelo com os acontecimentos cerebrais, à maneira dos aspectos interior e exterior de uma casca de ovo! No entanto, a Física moderna não admite que as partículas elementares – electrões, protões, neutrões – possuam uma memória ou identidade, por isso a doutrina panpsíquica da «protoconsciência» deve ser rejeitada; e, (3) a teoria dualista-interaccionista: o espírito e o cérebro constituem entidades independentes – pertencendo o cérebro ao Mundo 1 (objectos e estados materiais) e o espírito ao Mundo 2 (estados de consciência) – que interagem por meio de leis da Física Quântica. Ou seja, existe uma fronteira e, através dessa fronteira, há uma interacção bidireccional, concebida não como um fluxo de energia, mas como um fluxo de informação. Na opinião de Eccles, os monistas materialistas desenvolveram a crença na teoria da identidade – segundo a qual os acontecimentos mentais, tais como a consciência, são de certo modo «idênticos» aos acontecimentos cerebrais. Deste modo segundo esta identidade enigmática, os estado mentais não seriam outra coisa senão acontecimentos cerebrais! Ora, a maioria dos neurocientistas (e psicólogos) converteu-se ao monismo materialista. Este materialismo dominante concede ao cérebro uma total superioridade sobre o espírito, mesmo no caso da experiência da consciência. Na opinião deste autor, os materialistas continuam a ocupar como sempre um lugar de destaque porque acreditam piamente num sistema de crenças dogmáticas que os mantém presos a uma ortodoxia quase religiosa. A ortodoxia materialista está profundamente enraizada, tanto no domínio científico como filosófico, e defende os seus dogmas com um farisaísmo raramente igualado, mesmo nos tempos antigos do dogmatismo religioso. Se o Mundo 2 (estados de consciência) é impotente, o seu desenvolvimento não pode ser explicado pela teoria da evolução. Os adeptos do panpsiquismo, do epifenomenalismo e da teoria da identidade nunca se aperceberam que defendiam uma teoria sem qualquer relação com a teoria da evolução biológica, isto é, os estados mentais e a consciência não teriam podido evoluir e desenvolver-se se não tivessem um efeito causal na modificação dos acontecimentos neurais do cérebro, e por consequência na modificação dos comportamentos portadores de um valor de sobrevivência. Isso só pode acontecer se o Mundo 1 do cérebro (objectos e estados materiais) estiver aberto às influências dos acontecimentos mentais do Mundo 2.

Inúmeros grandes físicos, com o passar dos anos, têm-se absorvido de modo profundo pelo papel da mente na construção da realidade. Schrodinger, por exemplo, observou que a exploração do relacionamento entre o cérebro e a mente é a única função importante da ciência (Ferguson, 1997).

 

publicado por alexandreramos às 21:27
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